São Paulo, sábado, 6 de agosto de 1994
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O desperdício de uma grande idéia

RICARDO ANTÔNIO SILVA SEITENFUS

O sucesso do Mercosul tem sido, até o momento, apenas o incremento do comércio regional, que está desequilibrado e absolutamente distante dos claros compromissos assumidos em Assunção.
O Tratado de Assunção, que criou o Mercado Comum do Sul, Mercosul, adotou como ponto de partida já a fase mais avançada de um processo de integração. Via de regra, o mercado comum é resultado do sucesso de uma Zona de Livre Comércio e, após, de uma União Aduaneira.
Decidiu-se, em Assunção, implementar –até janeiro de 1995– a livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos dos próprios países membros, além de uma tarifa externa comum para os produtos de terceiros países.
Para evitar distorções e prejuízos, determinou-se a compatibilização das políticas macroeconômicas e setoriais entre os Estados-partes.
Os países deveriam, então, ter concertado suas políticas agrícola, industrial, fiscal, monetária, cambial e de capitais, de serviços, alfandegária, comércio exterior, de transportes e comunicações.
Deveriam, ainda, harmonizar as legislações nacionais e criar um poder comum através de uma estrutura institucional definitiva.
Em outras palavras, o Tratado de Assunção não foi cumprido em sua essência: a criação de um mercado comum. É hora de assumir claramente esta constatação básica e prescrutar os motivos que a ocasionaram.
Os irrisórios prazos convencionados voltavam-se aos mandatos eletivos dos presidentes que os subscreveram.
De outra parte, os signatários não estão dispostos a enfrentar a pesada intervenção estatal exigida pela integração, que parece incompatível com sua visão liberal acerca do projeto.
Perceba-se, também, que a incipiente atuação empreendida pelos Estados foi centralizada por altos funcionários públicos, quando devia transformar-se em um projeto das sociedades civis dos quatro países.
Os Executivos detêm o processo decisional e, com a inoperância dos Legislativos, desconhecem os anseios dos consumidores e dos trabalhadores, a quem interessa um verdadeiro mercado comum.
O Tratado de Assunção não favorece aos que esperam do Mercosul apenas atender a interesses econômicos setoriais.
No entanto, a reavaliação da experiência dos últimos três anos demonstra que, mesmo havendo vontade política de cumprir o acordo, devem ser traçadas novas metas e cronograma, submetidas à ampla discussão na sociedade e aos novos mandatários eleitos nos próximos meses.
Os cidadãos platinos temem que uma grandiosa idéia, crucial para seu futuro e desenvolvimento, seja desperdiçada pela incompreensão ou pelos interesses dos seus governantes.

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