São Paulo, domingo, 7 de agosto de 1994
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A falta de controle da moeda e da inflação

ÁLVARO ANTÔNIO ZINI JR.
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Parece que só houve três invenções realmente poderosas na história da humanidade: o fogo, a roda e o banco central"
Will Rogers, autor e satirista americano
A elevada inflação brasileira dos últimos anos não só trouxe custos sociais terríveis como colocou em cheque o progresso econômico do país. No entanto, pouco se avançará no sentido de evitar a volta do pesadelo inflacionário, se não se atentar para alguns fatos básicos da nossa história econômica recente.
A inflação possui raízes antigas no Brasil. Entre os fatores que impulsionaram e deram vida longa ao processo há várias "causas": déficit público, luta distributiva, indexação geral da economia etc.
Cada um desses elementos teve algum papel, mas há um fator que é comum, tanto na nossa como em qualquer inflação elevada, que é a falta de controle monetário. Assim como não há processo de combustão sem oxigênio, não há inflação sem emissão de moeda.
No findar das contas, o governo emite moeda porque tem um déficit. Em economia, fazendo uma alusão direta aos tributos cobrados pelos senhores feudais, dá-se o nome de "senhoriagem" à receita que um Banco Central obtém pelo fato de que os agentes precisam repor o valor de seus saldos monetários comidos pela inflação.
O conceito de "senhoriagem" é importante, pois quase todos os autores reconhecem que o elemento que permite a continuidade da inflação é resto de déficit público, que é financiado pela emissão de dinheiro.
Conhecendo-se o valor da "senhoriagem" pode-se ter uma idéia de qual o montante de ajuste fiscal adicional que seria necessário para se evitar a emissão inflacionária de moeda.
Como tivemos uma elevadíssima inflação (5.200% entre junho de 1993 e junho de 1994), pode-se pensar que a receita de "senhoriagem" seria tão grande que o governo não poderia viver sem ela. Mas isso é equivocado.
O gráfico que ilustra o texto mostra o valor da "senhoriagem" no Brasil como percentagem do PIB (valores calculados com dados mensais da base monetária, deflacionados pelo IPG-DI). Os dados para 1994 são proporcionais ao primeiro semestre.
A observação mais importante é que, exceto alguns anos, a senhoriagem média foi da ordem de 2% do PIB; um valor relativamente pequeno e dispensável se se fizesse um pouco mais de ajuste fiscal no tempo (tanto via aumento da arrecadação pelo combate à sonegação como via diminuição de gastos).
A tabela resume os números de "senhoriagem" e inflação no Brasil, de 1950 a 1994. Embora no período recente a "senhoriagem" tenha sido da mesma ordem dos anos 50, a inflação foi astronômica. A tabela evidencia que a situação começou a deteriorar-se na segunda metade dos anos 70. Para uma "senhoriagem" de 2% do PIB, a inflação pulou para 51%.
Nessa época, tivemos uma "inovação" que agravou o problema. Pela resolução nº 366, de 1976, os intermediários financeiros foram autorizados a conduzir operações de revenda de títulos públicos segundados por cartas de recompra para com seus depositantes e para com o Banco Central.
Formou-se, em poucos anos, a armadilha da moeda indexada, que é um dos fatores que pioraram a inflação, pois facilitavam a fuga da moeda.
Hoje, o país tem consciência da importância da estabilidade dos preços. Têm-se, também, uma noção mais clara da importância do controle monetário. Mesmo assim, ainda se hesita em extinguir as modalidades de moeda indexada, deixando uma brecha poderosa por onde a inflação pode voltar.
A conclusão desses apontamentos: o pesadelo inflacionário seria evitável com um pouco mais de controle monetário e fiscal. Se não o foi, a explicação está no jogo das forças políticas e nas transferências de renda permitidas pelo processo.
Como se sabe hoje: com a inflação alta muitos perdem, mas alguns poucos ganham. E gostam muito!

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