São Paulo, domingo, 7 de agosto de 1994
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Schulz é o Kafka polonês

VINICIUS TORRES FREIRE
DA REPORTAGEM LOCAL

"Sanatório", romance, ou costura de contos, do escritor polonês Bruno Schulz (1892-1942) parece um texto de Kafka reescrito em parte por alguém como Walter Benjamin, capaz de retirar história de pequenos objetos esquecidos, como um álbum de selos.
A diferença de Schulz é que, sobre um painel de suas recordações de infância, o tempo e as poucas imagens da realidade objetiva presentes em seus textos são reorganizadas de forma grotesca e suprarreal, um traço típico da prosa de muitos países periféricos. Schulz nasceu na Galícia, região que pertenceu ao Império Austro-Húngaro, à Polônia e à ex-União Soviética. Foi morto em 1942 por um soldado nazista.
"Sanatório" foi publicado na Polônia em 1937 e escrito provavelmente depois de 1933. A tradução brasileira foi feita diretamente do original polonês.
"Sanatório sob a Clepsidra", uma das histórias que o compõe, era o título original. Neste conto, o protagonista habitual de Schulz, seu alter-ego Joseph, sai a procura do pai em hospital para doentes graves. Não há passageiros no trem em que viaja ou nas estações por onde passa.
No hospital decadente erra por corredores à procura do médico, doutor Gotard. Quando encontra o pai, este lhe pede que investigue como vão os negócios de sua loja, na cidade. Em um restaurante do lugarejo, encontra o pai, que o ridiculariza, em uma espécie de festa. De volta ao hospital, seu pai, novamente, reclama de que Joseph o deixara dias sozinho. Logo depois, sem aviso aparente, começa uma guerra. O sanatório, está atrasado no tempo. O pai está morto, "do ponto de vista da sua família e do país", explica o médico. No entanto, todos dormem para "economizar energia vital".
Entremeando a narração semi-fantástica, há descrições detalhadas de objetos e situações, estas também ilógicas. Uma espécie de telescópio como que se transforma em um automóvel de papel.
Schulz traduziu "O Processo" de Kafka. Também era judeu. Também escrevia sob a sombra da figura do pai. Os labirintos míticos que descreveu, no entanto, são um pouco mais pessoais do que os do autor de "Metamorfose" -são autobiografias fantásticas, cheias de aparições e metáforas que transformam quase surrealmente objetos comuns para escarnecer e espantar o tédio e a platitude do cotidiano.

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