São Paulo, domingo, 7 de agosto de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

As mãos sujas

Gilberto Dimenstein

GILBERTO DIMENSTEIN
BRASÍLIA

Tem mérito a frase da empresária Ruth Escobar, ao dividir a sucessão presidencial numa disputa entre o filófoso Jean-Paul Sartre, autor da peça "As mãos sujas", e um encanador –o mérito de sintetizar e ressaltar como a simplificação grosseira é uma das mais utilizadas armas eleitorais.
Óbvio que a comparação é, além de grosseira, uma bobagem. A atriz tentou apresentar com seriedade uma frase dita, originalmente, em tom de descontraída e descompromissada brincadeira.
Fernando Henrique Cardoso é também vítima desse tipo de simplificação. Só que lançada pelo PT: Lula tenta caracterizá-lo como a ressurreição de Fernando Collor. Comporta-se, aqui, como uma espécie de Ruth Escobar de barba.
O ponto é o seguinte: Fernando Henrique e Lula têm defeitos e alianças complicadíssimas, mas um passado moldado na resistência ao autoritarismo.
Existem gorduchos alvos, claro. O senador suja suas mãos ao aliar-se com os grupos que rastejaram atrás dos militares e da fisiologia. Difícil imaginar Sartre compondo com os inimigos da resistência francesa. Lula está ligado a grupos que ainda defendem a ditadura ou não demonstram convicção com a democracia.
Fernando Henrique tem a vantagem de ser um brilhante intelectual. É, porém, distante emocionalmente dos marginalizados –para ele, "povo" é uma figura sociológica. Demonstra, ao mesmo tempo, uma visão contemporânea do papel do Estado e da educação como mola propulsora do desenvolvimento.
Lula é de uma inteligência aguda. É presa do corporativismo, sua bagagem acadêmica é nula. A seu favor, carrega íntima convivência com a miséria e a experiência de administrar conflitos. Ele sujou as mãos no torno e até perdeu um dedo. Tem no seu currículo uma idéia histórica: a campanha da fome. Foi o único candidato a berrar quando se denunciou o aumento da mortalidade infantil.
Um mínimo de serenidade não deixa dúvidas: é um avanço dois políticos desse nível estarem no topo da disputa presidencial. E um atraso quando "intelectuais" dublês de candidatos a cargos públicos falam tanta asneira. Ajudam mais a manipular do que a desvendar. Eles não apenas sujam aos mãos, mas as bocas.

Texto Anterior: Como morrer na praia
Próximo Texto: Esperança teimosa
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.