São Paulo, domingo, 7 de agosto de 1994
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Esperança teimosa

Luiz Caversan

LUIZ CAVERSAN
RIO DE JANEIRO

É bom que não se esqueça: como diz Gilberto Gil em "Aquele Abraço", o Rio de Janeiro continua lindo.
Com tempo ruim, temperatura baixa e até com chuva, a cidade insiste em encantar olhares mais atentos e sensíveis com composições de beleza natural que violência alguma irá conspurcar.
Dia desses, céu carregado, mar cinza, abriu-se uma brecha entre as nuvens e um facho de sol dourado, intenso, iluminou durante poucos e bons minutos a imensa pedra do Pão de Açucar, um dos caprichos mais caprichados da natureza.
Aquela claridade repentina e inesperada entre as nuvens negras, descendo aguda sobre um ícone da cidade, poderia perfeitamente simbolizar o que espera a gente de bem que vive nesta cidade.
Não se pode nem falar em luz no fim do túnel senão algum engraçadinho irá dizer: bem, isso se não houver um assalto no túnel...
Como se sabe, as modalidades de achaque ao cidadão são muitas por aqui. A mais "moderna" é assalto nos muitos túneis daqui.
Mas a cidadania resiste e tem motivos e artifícios para isto. As cabeças bem-pensantes se articulam e pressionam o poder público. O drama social que se encena neste cenário maravilhoso deve ainda ter muitos atos de grande emoção. E pode perfeitamente caminhar para o "happy end" desejável.
No entanto, é importante que fique claro o papel de cada um. Polícia é polícia, cidadão é cidadão. Não podem ganhar força os recentes argumentos que querem transformar o morador em força-auxiliar da ação policial. Isto nunca deu certo nem é esta a obrigação do cidadão.
Tampouco deve-se aceitar o histerismo dos alarmistas. Principalmente daqueles que atuam a serviço de interesses eleitoreiros ora em jogo. Eleições e políticos passam, a cidade e seus ocupantes permanecem.
Com ou sem exageros, o fato é que o debate sobre a violência tornou-se necessário e positivo. Só o diálogo, a soma de esforços, a vontade política, a paciência, a teimosia mesmo levarão a uma acomodação social menos conturbada e autodestrutiva, como a atual.
Quem vive aqui, gosta daqui, não quer outra coisa.

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