São Paulo, quarta-feira, 10 de agosto de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Plano certo na hora errada

ERNESTO LOZARDO

O Real é um plano de emergência de combate à inflação. O melhor já feito numa economia de superinflação e mais civilizado que os anteriores. Evita o congelamento de preços e de salários, bloqueio da poupança, moratória externa, embora arroche o repasse de verbas Federais aos Estados e municípios, tanto para investimentos, como para os programas sociais. De início, o plano conta com uma fantástica contenção monetária.
Sua essência está na fixação de um real paritário ao dólar para venda, nas metas quantitativas para a expansão da moeda, na desindexação dos salários, no congelamento dos preços públicos e dos aluguéis.
Desta vez, os formuladores do fracassado Plano Cruzado compreenderam o papel fundamental que a moeda e o câmbio exercem na fase da reversão das expectativas de preços.
No Plano Real, o câmbio de venda permanece fixo, mas o de compra pode variar para baixo. Medida inteligente, pois evitará as operações internacionais especulativas sobre as altas taxas de juros reais previstas nos próximos meses. Mas encarecerá as exportações: sem compensações tarifárias será difícil evitar uma queda das vendas externas.
A meta de expansão monetária de US$ 7,5 bilhões, até setembro, conjugada com a fixação do câmbio procuram estabelecer dois parâmetros para administrar a estabilidade de preços próximos de zero, no curto prazo.
Com o câmbio congelado, o teto de expansão da moeda representa o limite superior da política monetária para administrar tanto a formação de estoques especulativos de mercadorias, quanto a fuga da moeda das poupanças financeiras para o mercado de bens reais.
De qualquer modo, esse é o grau de liberdade da política monetária de juros reais elevados para assegurar baixo nível de consumo com queda dos preços.
Na lógica da arquitetura do Plano Real é impossível manter a estabilidade de preços próxima de zero sem uma forte recessão econômica. Foi para isso que serviu a política monetária de juros elevados.
Com o descabido nível de reservas cambiais (8% do PIB) será possível garantir preços baixos com a importação de alguns produtos. Com os recursos do Fundo Social de Emergência, algo em torno de US$ 9 bilhões, não será difícil contornar pressões no aumento dos gastos na área federal no período eleitoral.
Mas, após esse período, teremos a volta da inflação, mais déficit público provocado pelo aumento dos juros e crise cambial. Se o Plano Real é imprevisível após as eleições, ele também o é durante.
Esse plano está na contramão dos objetivos do presidente Itamar. Ele pretende derrubar a inflação e estabilizá-la. Com o produto desse feito, espera eleger FHC. Aqui vale o dito: "Acaba se molhando quem coloca os pés em duas canoas".
Com essas motivações do presidente Itamar, as metas de controle monetário e da fixação cambial do Plano Real serão inexequíveis.
Caso FHC ameace mais a liderança de Lula, a presença da recessão com desemprego e juros altos motivarão a CGT, a CUT e o PT a mobilizarem seus afiliados e simpatizantes para um estado de greve no país.
Por outro lado, qualquer queda de FHC nas pesquisas frente a Quércia ou Brizola, levará as lideranças do PSDB a impedir que o controle monetário e a fixação cambial se sobreponham a sua questão maior: o PSDB no comando da política do país.
Assim, o descontrole monetário e a inflação impedirão a manutenção da taxa de câmbio fixa para assegurar a confiabilidade no novo padrão monetário.
No curto prazo, um novo quadro inflacionário, com desgastes políticos e pessoais do ministro Ricupero, que soube conquistar o respeito de toda a população.
Pressinto que assistiremos, pela segunda vez, o cruel ato político calculista, de se conseguir reunir e, ao mesmo tempo, queimar em praças públicas as melhores inteligências do país na formulação de um plano emergencial de combate a inflação.
Plano que sofreu no seu percurso os efeitos negativos de objetivos eleitoreiros de curto prazo, não condizentes, com o tempo exigido para sua aterrissagem segura.
Na verdade, o Brasil ganhou um plano certo na hora errada.

Texto Anterior: Hora do ajuste; Em reciprocidade; Para poucos; Garra do leão; A conferir; Mercado regional; Papel destacado; Em exposição; Movimento de verão; Evasão do tesouro
Próximo Texto: Conselho da moeda versus câmbio fixo
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.