São Paulo, quarta-feira, 10 de agosto de 1994
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Conselho da moeda versus câmbio fixo

ROBERTO CASTELLO BRANCO

Edição recente do "The Economist" anuncia o lançamento do real e coloca dúvida sobre as razões do Brasil não ter optado pelo regime de conselho da moeda, bem sucedido na Argentina, Cingapura, Estônia e Hong Kong, especulando se foi por sensatez ou por não querer mesmo equilibrar o orçamento público e derrotar a inflação.
O sistema de conselho da moeda possui duas virtudes essenciais: facilidade de administrar e obrigatoriedade do governo em implantar política fiscal responsável, pois não existe banco central emissor para financiar seus excessos de gastos.
Por outro lado, impõe também uma camisa-de-força sobre a política cambial. A única forma de ajuste à uma sobrevalorização excessiva da moeda doméstica é mediante a deflação de preços e salários, opção politicamente difícil. A alternativa é desvalorizar o câmbio, o que desmonta o regime de política econômica baseado no conselho da moeda.
A fonte de sobrevalorização da moeda, a inflação em produtos e serviços não negociáveis internacionalmente, é muito mais poderosa numa economia como a brasileira.
Ela é relativamente mais fechada para o comércio internacional e possui setor de serviços grande e em expansão, especialmente após a abolição da reserva de mercado da informática e do desenvolvimento do sistema de franquia.
Portanto, não adotar o conselho da moeda foi um ato de sensatez. Porém, o regime de câmbio fixo não nos desobriga do ajuste do orçamento nem evita os riscos de sobrevalorização cambial.
Política monetária contracionista e câmbio fixo, nominal ou real (como era até a introdução do real), com ou sem banda de flutuação, são incompatíveis num mundo em que o capital é móvel internacionalmente.
Desde o último trimestre de 1991, o Banco Central do Brasil procurou fazer política monetária antiinflacionária, elevando dramaticamente os juros. Conseguiu com isso atrair grandes fluxos de capital estrangeiro, que resultaram em substancial expansão monetária e aumento da dívida pública interna.
Isso explica a convivência de altas taxas juros reais, política monetária frouxa e inflação em ascensão.
Tanto o machismo das taxas de juros elevadas quanto a paixão keynesiana pelos juros baixos são prejudiciais. Com câmbio fixo, a estabilidade de preços tem que ser perseguida pela política fiscal através do equilíbrio orçamentário, que conduza responsavelmente à redução das taxas de juros.
Por outro lado, graças à combinação de políticas monetária e cambial do período 1991/1994, o Brasil dispõe de estoque recorde de reservas internacionais, US$ 38 bilhões, equivalente a um ano e meio de importações.
A desvalorização do dólar norte-americano face ao iene e ao marco, a alta dos preços das commodities e a recuperação das economias desenvolvidas são outros fatores que contribuem para a sustentação da taxa de câmbio do real pelo menos durante um bom número de meses.
Entretanto, um regime de câmbio nominal fixo, mesmo com banda de flutuação, depende de circunstâncias internacionais favoráveis para sua sobrevivência. Nenhum banco central assiste passivamente às pressões deflacionárias provocadas por perdas significativas de reservas internacionais.
Por isso mesmo, o câmbio fixo não sustenta a longo prazo e acaba em crises cambiais, como atestam experiências como a do Chile em 1982, da Inglaterra em 1987 e de diversos países europeus em 1992.
Para o Brasil, no futuro, a melhor combinação é uma política de taxas de câmbio flutuantes, livremente determinadas pelo mercado, com um banco central independente. Os desequilíbrios externos serão corrigidos, sem traumas, por variações da taxa de câmbio e o banco central independente garantirá a estabilidade de preços doméstica.

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