São Paulo, quarta-feira, 10 de agosto de 1994
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Ou o Brasil acaba com a saúde...

LUÍS NASSIF

Pressionado pela incontinência de um presidente aloprado, pelas pressões para aumentar o funcionalismo, o ministro Rubens Ricupero cometeu uma frase própria de um realismo fantástico: a Previdência e a Saúde estão acabando com o país. Ou o país acaba com ambos, ou ambos acabam com o país.
Está coberto de razão, sua serenidade. O país, como se sabe, é um ente intemporal, localizado no Planalto Central, com ramificações por repartições, quartéis, tribunais e salões diplomáticos.
Seus habitantes, divididos em várias espécies, têm em comum o fato de serem todos nobres sustentados por gentios –vulgarmente conhecidos como bugrada ou negrada, que pagam diariamente um óbolo denominado de imposto.
A espécie diplomata, à qual pertence o ministro, por exemplo, dispõe de planos internacionais de saúde, aposentadorias privilegiadas e um padrão de viagens internacionais não se diria de primeiro mundo, apenas porque lá o contribuinte não deixa barato.
Recentemente, amigo meu, economista radicado na França, foi participar de um seminário de ecologia. O Itamaraty enviou dois representantes –um deles, ex-chanceler. Ambos foram de primeira classe e não tinham a menor idéia do que o seminário tratava.
Diz meu amigo: isto é uma constante na participação de diplomatas brasileiros em eventos internacionais.
Mas intelectual e diplomata não foram feito para produzir, como diria a famosa filósofa uspiana, mas para brilhar. Principalmente com viagens pagas provavelmente com recurso do Fundo Social de Emergência.
Conquistas históricas
Não é a única, nem a espécie mais privilegiada do país. Praticamente nenhum funcionário de estatal depende dos sistemas públicos de saúde, mais apropriado aos bugres. Quase todos mantém convênios com os principais hospitais e planos de saúde privados do país e aposentam-se com vencimentos integrais.
Não se pense que seja um país perfeito. Há muita disparidade de renda entre os nobres, alguns até ganhando efetivamente mal. Quando os desequilíbrios se agravam, sempre aparece um nativo patriota invocando princípios de isonomia. Como os privilégios se constituem em conquistas históricas desses nobres, o herói da raça trata de estendê-los aos demais.
Obviamente esta palavra culta –isonomia– embute princípios jurídicos e filosóficos que estão muito acima da compreensão da bugrada. Isonomia é conceito apropriado apenas para espíritos sensíveis, de uma corte que se transformará na Washington dos Kennedy, assim que Jean Paul Cardoso assumir a Presidência.
O problema que aflige os nobres é que às vezes a bugrada vem com idéias exóticas, importadas sabe-se lá de que países civilizados. Cismam em considerar que o dinheiro que pagam ao Estado tem que ser revertido para eles, bugres.
Pior: numa atitude atrabiliária e injustificável, teimam em ficar doentes, pensando com isso desviar para necessidades inferiores –de saúde– recursos que poderiam ser muito melhor empregados na formação dos espíritos superiores.
Como diria a propaganda curiosa do jornal brasiliense, "não se trata de mudar Brasília, mas de mudar o Brasil".
Tem razão o ministro. Se o Brasil não acabar com a Saúde, o país ainda acaba doente.

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