São Paulo, quinta-feira, 11 de agosto de 1994
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Reaprendendo a comprar

Um dos efeitos mais impressionantes da abrupta queda da inflação é sem dúvida a possibilidade que o consumidor adquiriu de memorizar os preços dos produtos. E essa noção de valor que as pessoas começam a ter é uma excelente arma no combate aos preços abusivos e, portanto, um importante elemento do plano de estabilização.
Durante o período de vertigem inflacionária, era virtualmente impossível ter uma noção de valor mais exata. Com os preços variando quase que diariamente, era inumano conhecer o valor de cada mercadoria comumente consumida.
Um mesmo produto encontrava as mais diferentes expressões em cruzeiros reais, dependendo do estabelecimento vendedor. Esse fenômeno, é certo, persiste, mas a tendência é de arrefecimento, em boa parte devido à possibilidade agora aberta de se compararem preços.
Nesse sentido, o discurso de ontem do ministro Rubens Ricupero parece correto, em que pese um certo exagero na aura de civismo que o ministro tentou imprimir ao ato rotineiro de fazer compras.
De qualquer forma, esse plano econômico, diferentemente dos demais, teve a virtude de, mantida a liberdade de mercado, fazer com que os interesses pessoais dos consumidores –comprar pelo melhor preço– coincidissem com as exigências macroeconômicas –não sancionar os aumentos abusivos.
É claro que ainda existem muitos problemas localizados, desde preços oligopolizados até juros absurdos em vendas a crédito. Ainda assim, o brasileiro pode afinal começar a saborear o gosto de viver com inflação baixa. Resta esperar que essa sensação não seja fugaz.
O consumidor agora tem condições de cumprir a sua parte na luta pela estabilização, mas não se devem nutrir ilusões. Não se passa de um ambiente de inflação para outro mais saudável da noite para o dia. Só quando o consumidor estiver plenamente habituado a pagar um determinado preço por um produto e não aceitar pagar nem um centavo a mais é que o perverso ciclo da cultura inflacionária poderá ser definitivamente quebrado. Isso, é óbvio, se o governo cumprir sua parte, ou seja, manter equilibradas as contas do Estado. Até lá ainda há um longo caminho a percorrer.

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