São Paulo, quinta-feira, 11 de agosto de 1994
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No fundo do poço

Encerrou-se, ao menos aparentemente, mais uma das crises que o governo Itamar Franco habituou-se a transformar em ameaça de terremoto político-administrativo.
Trata-se, desta vez, do reajuste do funcionalismo público, que consumiu semanas intermináveis de negociações entre ministros e técnicos do governo e levou o presidente a insinuar que a alta cúpula de sua própria administração abrigava mentirosos capazes de fabricar números ilusórios, o que chegou a ameaçar a permanência do ministro Rubens Ricupero no cargo.
Não se trata de minimizar a importância do tema. Há um reconhecimento generalizado de que o funcionalismo público ganha mal, mas não se pode, igualmente, escapar do fato óbvio de que os cofres públicos, depauperados como estão, não permitem que se conceda ao funcionalismo o reajuste adequado, sem entrar no mérito das porções diferenciadas que couberam aos funcionários civis e militares.
Tratava-se, portanto, de encontrar um paliativo, que minorasse as dificuldades dos servidores até que o futuro governo possa reequacionar a situação financeira do Estado, o seu papel, o número de funcionários de que realmente vai precisar e, em consequência, começar a corrigir as distorções salariais.
Chega a ser inacreditável, porém, que uma saída de emergência, a única possível, colocasse em risco o plano de estabilização, de muito maior abrangência.
O Ministério da Fazenda havia, desde o início das negociações, definido um limite de verbas disponíveis para o reajuste, algo em torno de US$ 700 milhões, teto que acabou sendo respeitado. É uma solução insatisfatória para o funcionalismo, mas é a única que impede o mal maior que seria torpedear o plano de estabilização.
Resta, de todo modo, como saldo negativo do episódio, a constatação de que a crise das finanças públicas não se limita ao aspecto, já gravíssimo, da insuficiência de recursos. É tal a crise que diferentes setores do governo trabalham com números diferentes a respeito da disponibilidade do caixa. Quando nem esse dado elementar é confiável, fica evidente que o Estado está tocando o fundo do poço. O grande desafio do futuro presidente, seja qual for, é iniciar o seu resgate.

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