São Paulo, sábado, 13 de agosto de 1994
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O que foi e o que é

JANIO DE FREITAS

A visão que o presidente Itamar Franco tem de sua posição no governo é realista, mas patética. Talvez sem se dar conta, o presidente se define como refém da equipe que controla a Fazenda. Sua justificativa aos militares, para a correção insuficiente dos vencimentos do funcionalismo, é de clareza constrangedora: o presidente vê-se "premido por rígidos parâmetros advindos do Ministério da Fazenda".
Há, no entanto, uma contradição escondida neste realismo. O plano antiinflação, com todas as suas restrições a medidas em favor das "vítimas da injustiça", foi aprovado pelo presidente tal como se mostra na prática. Nem mesmo o corte do poder presidencial de decisão deixou de estar evidente, embora não referido com explicitude, na concepção e nas formalizações do plano.
O presidente Itamar Franco não aprovou um plano que apenas o deixou "premido por rígidos parâmetros do Ministério da Fazenda", mas um plano que, além disso, configura o extremo oposto dos propósitos que apresentou ao país ao assumir. Um plano oposto às suas próprias idéias. Lembremos alguns dos propósitos de então, a título de exemplo. A começar da atenção especial a ser dedicada aos problemas nacionais de saúde, cuja única demonstração prática foi a derrotada intenção de reduzir a extorsão incluída nos preços dos remédios.
Progressiva recuperação das perdas salariais, de tal modo que o mínimo não tardasse a chegar aos US$ 100, era outra prioridade. Alguma forma de contenção dos preços inflacionários e de redução da ciranda financeira, alimentada pelos altos juros determinados pelo governo mesmo, eram também objetivos que não podem ser esquecidos. Destes e dos vários outros, o único realizado em parte foi a do melhor padrão de moralidade administrativa – desde logo excluídas da melhoria parcial a área de telecomunicações, em especial a de telefonia, e a recente renovação de concessões de televisão, moralmente inadmissível em final de mandato.
Nos oito meses entre a posse, ao findar setembro de 92, e meados de maio de 93, os propósitos sociais e econômicos não se consumaram, mas foram sempre cobrados aos então ministros Gustavo Krause e Paulo Haddad. Depois, o presidente entregou-se à equipe real.
Se a entrega foi sensata ou não, já seria novo assunto. Mas, de um jeito ou de outro, Itamar Franco é o responsável integral pela persistência intocada das realidades negras que descreveu no discurso. Ao mudar seus propósitos, mudou ele próprio. E só por vontade sua. Deixou de ser o que se mostrava, para ver-se como refém voluntário.

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