São Paulo, sábado, 13 de agosto de 1994
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Para o sucesso do real

LINCOLN DA CUNHA PEREIRA

As primeiras semanas do Plano Real são mais alvissareiras do que se supõe. Certamente por causa da Copa do Mundo e da ampla campanha eleitoral em curso, passou quase despercebido, por exemplo, o fato extraordinário de termos trocado quase toda a moeda circulante de um momento para outro sem nenhum atropelo.
Faltou troco, ainda falta ocasionalmente. Houve pequenas confusões, esse ou aquele caso de abuso. Mas a verdade e que nosso país de proporções continentais e população superior a 150 milhões de habitantes passou do cruzeiro real para o real em pouquíssimos dias.
Esse é um fato econômico de primeira grandeza, sem dúvida passará a constar dos livros e manuais que tratam de economia. Não se sabe de nenhum outro povo que tenha realizado essa operação em prazo tão curto e, repita-se, sem atropelos.
Também é alvissareiro que os índices de inflação venham registrando queda consistente. Semana após semana, percebe-se que existe de fato o efeito da Unidade Real de Valor (URV) e do real sobre os hábitos e costumes da indústria e do comércio, do fornecedor e de matéria-prima, do lojista e da freguesia.
A sensação agradável de conviver com preços estáveis desintoxica as transações comerciais e contribui para a consolidação do real.
Precisaremos de mais algum tempo, entretanto, para que se corrijam as distorções mais renitentes. Os prestadores de serviços, de um modo geral, perderam o parâmetro. Muitos nem notam direito que estão cobrando preços absurdamente altos para consertos, instalações, reformas e outras tarefas corriqueiras.
Vários desses profissionais fizeram uma espécie de ligação direta do cruzeiro real para o real, entendendo (de novo) que era apenas o caso de cortar três zeros. Nem todos agiram assim mal intencionados.
Alguns restaurantes e estacionamentos, igualmente, terão de se adaptar à nova realidade, se quiserem continuar funcionando. Talvez pelo reflexo condicionado de embutir nos preços a inflação futura, talvez pela necessidade adquirida de se resguardar dos altos custos financeiros, o fato é que nesses ramos de negócios os clientes levam sustos constantes nos últimos dias.
E cliente assustado se torna arisco, desaparece. Aconselha-se, portanto, que os prestadores de serviços reexaminem seus custos, suas receitas e margens, o quanto antes.
Essas acomodações de mercado acontecem naturalmente. O comércio em geral vem oferecendo descontos e promovendo liquidações, para atrair e encorajar a clientela. Em consequência, as pesquisas de preços ao consumidor, feitas por diferentes institutos, mostram inflação cada vez perto do zero.
Dependendo do critério utilizado, há até previsões de deflação expressiva. Ainda assim, é cedo para comemorar. Por quê? Porque falta o governo cumprir a sua parte.
Falta o governo tomar a iniciativa de rever, imediatamente, a questão tributária. A carga de impostos é exagerada e mal distribuída no Brasil. Os que pagam impostos sofrem sobrecarga injusta e insuportável. O consumidor, em síntese, acaba sendo o grande prejudicado.
Se no setor de alimentos os impostos representam quase 30% dos custos (na Europa e nos Estados Unidos, representam menos de 10%), quem paga essa conta é a dona-de-casa quando vai à feira, ao supermercado, à quitanda. Falta, ainda, que o governo tome iniciativa de se enxugar. Os custos de manutenção da máquina governamental são altos demais. É essencial diminuí-los já, agora, antes que os excessos de gordura voltem a obstruir as tubulações da economia nacional.
Permitindo que o governo continue gastando exageradamente, corremos o perigo de pôr a perder os bons frutos colhidos com a troca de moeda e a reestruturação do comportamento econômico-financeiro da população. Boas e persistentes doses de privatizações fariam enorme bem ao país, nessa área.
Falta, por fim, que o governo perca a mania de perseguir quem produz, na equivocada convicção de que tabelando, prendendo e arrebentando vai colocar a economia sob controle. Não vai. Pelo contrário, as ameaças e punições do governo, nesses casos, só tumultuam, só perturbam, só desestimulam.

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