São Paulo, sábado, 13 de agosto de 1994
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A poupança, a Justiça e a verdade

ARNOLDO WALD

Aguardam decisões da Justiça os pleitos referentes à eventual responsabilidade dos bancos pela diferença da correção monetária correspondente aos depósitos existentes em cadernetas de poupança, com vencimento na segunda quinzena de abril de 1990 e que foram parcialmente apreendidos e tiveram a sua disponibilidade transferida para o Banco Central do Brasil.
Os tribunais pátrios vêm examinando essa tormentosa questão, sendo certo que o Superior Tribunal de Justiça, por diversas vezes, já se manifestou a respeito, fazendo a distinção adequada e necessária entre as situações que ocorreram no Plano Collor e nos planos econômicos anteriores e reconhecendo que a disponibilidade dos ativos financeiros bloqueados, em razão da lei nº 8.024, foi efetivamente transferida ao Banco Central, extinguindo-se, assim, o contrato de depósito inicialmente firmado com a instituição particular.
São exemplos dessas decisões os habeas corpus concedidos pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça aos gerentes de bancos, nos quais se reconheceu que eles não podiam cumprir as decisões da Justiça Federal liberatórias dos recursos, por não terem as instituições financeiras privadas a disponibilidade dos mesmos.
Por outro lado, várias decisões do Superior Tribunal de Justiça, reconheceram a ilegitimidade passiva dos bancos depositários, nas ações propostas pelos depositantes, em virtude de apreensão dos ativos financeiros pelo Banco Central. Essa transferência dos recursos explica que a Justiça Federal se viu assoberbada por milhares de ações propostas por depositantes contra as autoridades monetárias, em busca da pretendida liberação dos seus recursos.
Não há dúvida, portanto, quanto à apropriação dos ativos pelo Banco Central, que impediu a sua utilização tanto pelos depositantes, como também pelos bancos depositários.
Tendo sido decorrência da aplicação da lei a apreensão dos valores de depósitos que ultrapassavam NCz$ 50.000,00, houve a requisição ou desapropriação temporária em favor do Banco Central do direito de uso quanto aos recursos indiscriminadamente apreendidos (poupança, open, CDB, RDB etc.) e que foram colocados numa vala comum, passando a ser depósitos legais –e não mais contratuais– motivo pelo qual rompeu-se o contrato de depósito, que havia entre as partes.
Foi o Banco Central que, recebendo os recursos na qualidade de depositário "ex vi legis", os remunerou e os devolveu, na forma da lei. Ao banco privado, a lei reservou a função de mero agente escritural, ou seja contador incumbido do "controle gráfico" dos lançamentos que, por ordem e conta da autoridade (Banco Central) e dela recebendo as respectivas instruções, fazia os créditos em nova conta do depositante, de natureza diferente, que deixava de ser vinculada à caderneta de poupança.
Houve, por conseguinte, a remuneração feita pelo Banco Central, como decorrência da posição efetiva que assumiu como depositário legal em relação aos ativos financeiros que foram colocados à sua disposição.
Eventuais empréstimos que o Banco Central tenha feito aos bancos particulares, para o fim de permitir os necessários ajustes, nos casos de insuficiência de cruzados novos, em nada alteram a situação.
Ao contrário, do ponto de vista jurídico, comprovam a titularidade do Banco Central sobre os recursos. Acresce que, sobre tais mútuos, aplicou-se a correção plena, de modo que nenhum enriquecimento teve a instituição privada.
Na realidade, a correção monetária, que temos defendido há mais de 40 anos, tem a finalidade de manter íntegro o poder aquisitivo dos créditos e evitar o enriquecimento indevido do devedor. Não pode ser um elemento aleatório, que venha a recair, sobre quem não é devedor, nem teve a disponibilidade dos recursos durante o período objeto de discussão.
Cabe concluir que se a proteção da poupança é importante, mais relevantes são ainda a aplicação da Justiça e a manutenção de Ordem Jurídica, que consistem, de acordo com a velha definição romana, em atribuir a cada um o que é seu, não devendo alguns pagarem pelo pecado dos outros, pois ao direito cabe a suprema função de subordinar a economia à ética.

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