São Paulo, sábado, 13 de agosto de 1994
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Nações unidas contra os cometas do mal

ANTONIO CALLADO
COLUNISTA DA FOLHA

O severo bombardeio do planeta Júpiter por um cometa porralouca já pôs os Estados Unidos em estado de prontidão. Responsável pela sorte dos povos da Terra, planejam criar uma rede mundial de supertelescópios-sentinelas que observarão o cosmos sem cessar, com a finalidade de localizar e reduzir a pó de estrela algum outro cometa que, além de suicida, acaso ameace a segurança deste planeta.
À falta de dinossauros, pois só temos agora os bonecos que foram animados em "Parque dos Dinossauros", um Shoemaker-Levy que nos atingisse poderia tirar muito da nossa alegria de viver justamente neste momento idílico do fim-da-história, com os Estados Unidos prontos a fundarem nos espaços siderais aqueles United Planets previstos há 25 anos, quando americanos chegaram à Lua, por Arthur C. Clarke, o grão-mestre da ficção científica.
A declaração do geólogo Eugene Shoemaker, que descobriu por acaso o planeta Shoemaker-Levy 9, despertou logo o temor de termos um dia a Terra bombardeada por Corcovados e Pães de Açúcar. A Nasa, que é grande produtora de planos inauditos fundados em verbas realmente astronômicas, já se dispôs a ressuscitar, com apoio do Pentágono, a Guerra nas Estrelas.
O ex-presidente Reagan queria preparar os Estados Unidos para enfrentar o Império do Mal, último cognome da União Soviética. A voluntária e graciosa implosão da URSS deixou de repente os Estados Unidos como um tristonho peso-pesado num mundo de nanicos, encabulado de usar os punhos contra pesos-leves como o Iraque, ou plumas como o Panamá e o Haiti. Não dá para ninguém apostar.
Felizmente chegou para eles do espaço, com o ataque a Júpiter, a mensagem de que haverá sempre, sob alguma forma, um Império do Mal a justificar a presença na Terra de uma grande potência.
Aliás, para que não se diga que só do espaço pode vir o mal, a Nasa resolveu investigar também os vulcões. Um robô chamado Dante conseguiu pela primeira vez descer ao fundo de um vulcão ativo no Alasca. Do fundo deste inferno Dante passou sinais para um satélite que por sua vez enviou informações e chapas fotográficas ao Observatório de Vulcões do Alasca. O interesse da Nasa na pesquisa vai além do novíssimo método de conhecer vulcões. Ela está, ao mesmo tempo, testando materiais para futuras expedições que explorarão sabe-se lá que purgatórios e infernos.
Eu confesso que a despeito de, ou talvez exatamente por ignorar quase tudo acerca de ciência e tecnologia, leio com um interesse de escoteiro o noticiário da conquista espacial. E acho que os americanos, para se preservarem de algum excesso de "hubris" (presunção, arrogância) devido ao seu domínio do mundo, e já agora do espaço, deviam realmente injetar muito da ONU na Nasa.
Os primeiros e decisivos passos da conquista espacial não foram dados pelos americanos e sim pelos alemães, durante a Segunda Guerra, na ilha báltica de Peenemunde. Lá, a serviço da Alemanha nazista, o cientista Wernher von Braun criou os primeiros foguetes da moderna conquista do cosmos. Chamaram-se V2, ou arma de vingança número 2, durante a guerra. Eram supersônicos e alguns foram atirados na minha direção, já que eu então trabalhava em Londres.
Esse mesmo von Braun, levado, depois da guerra, como um gênio na garrafa, para os Estados Unidos, deu prosseguimento a suas pesquisas e, há 25 anos, acabou colocando os americanos na Lua. Antes disso, porém, e valendo-se igualmente de cérebros alemães engarrafados logo que acabou a guerra, os russos tinham posto Sputnik a circular à nossa volta e Gagárin a revelar a todos nós que a Terra, pela primeira vez olhada de fora por um descendente de Adão, era azul.
Assim, o que se viu é que três países, acicatados embora por temores de guerra e por aspirações de domínio do mundo, demonstraram um nobre e idêntico desejo de transformar a casa e quintal em que nascemos todos em plataforma de embarque para novos mundos. "Home is where one starts from" (a casa do homem é seu ponto de partida).
Seria, agora, a hora do mutirão. O investimento maior caberá sempre ao mais rico, aos Estados Unidos, que atentos à sábia advertência de Karl Marx, cuidam como ninguém da sua acumulação primitiva de capital. Os Estados Unidos convocariam então a Rússia e os seis outros países do mundo rico para formarem a grande orquestra espacial multinacional. Para, por outras palavras, alargarem o domínio do cosmos e defenderem lado a lado a Terra do ataque de possíveis cometas doidivanas que venham para cima de nós num acesso de atração fatal; e sobretudo para dissipar suspeitas de que projéteis vindos do espaço poderiam ser direcionados contra algum povo da Terra que em algum momento incorresse na ira americana.
Aqui fica meu apelo aos Estados Unidos. Dominem o mundo, mas com bons modos.
Dr. Strangelove
Caso os povos da Terra de fato venham a ter a oportunidade de compartilhar de um novo século de descobrimentos, teremos de certa forma exorcizado a figura de Wernher von Braun. Ele originou com seus trabalhos o novo século das descobertas, mas desconfio que tinha a delicadeza de sentimentos de um Shoemaker-Levy 9 desovando suas cordilheiras em cima de Júpiter.
Sorte na vida não faltou a von Braun. Nascido de gente rica e aristocrática pôde desenvolver seu gênio científico à vontade e achou muito natural servir ao nazismo inventando o foguete supersônico que, se posto em funcionamento cerca de um ano antes, e sobretudo se fosse dotado de carga atômica, certamente teria ganho a guerra.
Derrotado o Reich não ocorreu aos americanos sentar von Braun entre os criminosos de guerra que enfrentaram o tribunal de Nuremberg. Ocorreu-lhes ao contrário levar von Braun e mais uma centena de seus colaboradores para os Estados Unidos, onde reiniciaram, com maiores recursos, os trabalhos no foguete V2.
Dentro de pouco tempo era ele o chefe do programa balístico do Exército americano. Logo que se formou a Nasa para ela se transferiu Von Braun com sua competente quadrilha. Já se naturalizara então cidadão americano. Morreu em 1977 e jamais perdeu tempo com explicações quanto ao fato de ter inventado V- como arma de guerra. Cientistas inventam dinamite ou penicilina. O uso dado aos inventos não é do departamento dos inventores. Nem do seu interesse. Do ponto de vista cultural, Von Braun foi útil à formação do Dr. Strangelove, do filme de Stanley Kubrick.
Pêsames para a ponte
Agora, para baixar dos astros em queda brusca e ficar apenas a alguns metros acima do nível do mar, lembro que a Ponte Rio-Niterói completou 20 anos outro dia. Com seus 13.900 metros de extensão é a sexta mais comprida do mundo. E uma das mais belas, riscando seu vôo de gaivota por cima da mais bela baía do mundo. Mas desde o início do governo Collor, o DNER, responsável pela Rio-Niterói, tomou a estranha decisão de suspender, ali, a cobrança do pedágio.
Optou pela inércia e a decadência. A rainha da Inglaterra passou a cobrar entrada a quem queira visitar o Palácio de Buckingham e quem jamais andou de automóvel em Nova York sabe como pára e paga pedágio em qualquer pinguela sobre o Hudson. Mas na Rio-Niterói ninguém se rebaixa em estender o pires na chamada praça do Pedágio.
O resultado é o desleixo, explicado como falta de verba. O circuito interno de tevê está desligado na ponte desde 1989 e o sistema de sinalização horizontal praticamente não existe. Associados de Jipes Clubes ocuparam a ponte dias atrás para manifestar seu horror pela morte de um associado que foi atropelado e morto domingo passado ao sair do carro para socorrer uma mulher que acabava de ser atropelada.
A ponte vai fechar qualquer dia destes. Para vagos reparos. Falta de verba. "Sine die" de reabrir. Pessoas voltarão a atravessar a Guanabara em barcas; veículos em barcaças. Eis o cenário da celebração, ano que vem, da maioridade da sexta ponte mais comprida do planeta Terra.

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