São Paulo, sábado, 13 de agosto de 1994
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Ruanda é pior lugar do mundo, diz brasileiro

SÉRGIO TEIXEIRA JR
DA REDAÇÃO

O brasileiro Ricardo Ribas é o responsável pelo único hospital de Kigali, a capital de Ruanda –país que viveu nos últimos quatro meses um dos maiores genocídios do século e que ele classifica de }o pior lugar do mundo.
"Comparo o que acontece com o que eu vi na Somália, mas a crise aqui é mais aguda, houve mais atrocidades", disse ele à Folha.
Ribas, 29, é de Curitiba (PR) e pertence à organização não-governamental MSF (Médicos Sem Fronteiras) da Holanda. Está em Ruanda desde junho.
Ele afirma que a situação em Kigali começa a voltar ao normal. Mas entre 10.000 e 20.000 ruandeses já deixam o sudoeste do país, com medo de vingança da FPR. As tropas, que lá criaram uma "zona de segurança", deixam a região daqui a nove dias.
Ribas falou por telefone à Folha ontem do escritório do MSF holandês em Kigali. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Folha - Qual a situação atual de Kigali?
Ribas - É diferente de quando chegamos, em junho, quando ainda havia artilharia na cidade. Agora a vida começa a voltar ao normal. Tem restaurante aberto, uma discoteca funcionando.
E o hospital está cheio. Agora que as pessoas voltam a andar pelas ruas há muitos acidentes com minas, acidentes de carro. Há muita gente que chega com ferimentos ainda da época da guerra, pedaços de pedra, balas incrustadas.
Folha - Quantas pessoas trabalham no hospital?
Ribas - Eu, que sou o responsável, mais um outro cirurgião e quatro enfermeiras holandesas. E os funcionários ruandeses.
Folha - Em que condições?
Ribas - É um hospital muito moderno. Quando eu cheguei ele era um centro de refugiados sob controle da ONU. Vim eu e um outro médico canadense para organizar a situação.
É difícil encontrar no Brasil um hospital mais moderno do que este. Foi um presente do rei da Arábia Saudita. É muita tecnologia de ponta, muita que coisa que a gente ainda nem sabe usar.
Folha - Há quantos pacientes?
Ribas - Ele tem capacidade para 140 pacientes, mas está com 450. Temos em média quatro acidentes com minas por dia, somos obrigados a fazer muitas amputações. Os períodos de hospitalização são muito longos.
Folha - O sr. faz parte do MSF desde quando e em quais países já esteve?
Ribas - Desde 1992. Estive em Angola, na Somália, no Zaire e em Moçambique.
Folha - Já havia visto algo pior?
Ribas - Eu comparo a situação à da Somália, mas aqui a crise foi mais aguda, as coisas aconteceram mais rapidamente. Houve mais atrocidades. Posso dizer que é o pior lugar do mundo.
Folha - O sr. visitou os campos de refugiados do Zaire?
Ribas - Sim, estive lá, em Goma. A situação é a seguinte: tem 1 milhão de pessoas sentadas sobre um vulcão.
Folha - Por que não voltam?
Ribas - Porque há uma campanha de intimidação. Uma rádio fica o tempo todo transmitindo uma campanha para que os refugiados de lá não voltem.
Folha - Se eles voltassem, haveria condição de tratá-los?
Ribas - Sim. Mas teria que ser montado um esquema para que eles voltassem aos poucos. Organizações como o MSF têm estratégias para receber um grande número de pessoas. De qualquer maneira, a situação aqui é melhor que a de lá, onde há muitas epidemias.

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