São Paulo, sábado, 13 de agosto de 1994
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Lua-de-mel

A pesquisa Datafolha publicada ontem acerca da avaliação do Plano Real suscita uma constatação bastante interessante acerca do comportamento e do estado de espírito dos brasileiros face à inflação.
Segundo a sondagem, apenas 28% da população considera que seu poder de compra aumentou com o plano. A maioria (68%) julga que não houve alteração nesse aspecto (45%) ou que houve mudança para pior (23%). Apesar dessa avaliação sóbria acerca do seu poder de compra, a maioria absoluta (53%) se disse mais beneficiada no plano pessoal com o real, sendo que apenas 15% se afirmaram mais prejudicados e 28%, indiferentes. E, no que se refere ao balanço geral sobre o plano, a aprovação é esmagadora: 75% o consideram bom, contra 13% que o acham ruim.
Fica claro portanto que o brasileiro leva em conta, no seu julgamento do plano e mesmo dos impactos do real sobre sua vida pessoal, mais do que apenas o seu poder de compra. Uma explicação parece ser a de que a queda da inflação é vista como positiva mesmo sem o benefício imediato de um salário real maior. Depois de tantos anos de uma espiral estonteante de preços, de fato não surpreende que a estabilidade da moeda seja considerada, em si, como um avanço.
Informações que têm sido divulgadas acerca de consumidores memorizando preços e comparando-os entre lojas, por exemplo, dão conta de atitudes e comportamentos que eram como que inviabilizados pelo violento galope da inflação. Do mesmo modo, o aumento das compras a prazo reflete também uma nova capacidade de planejamento ensejada pela perspectiva de uma moeda estável. São fatores –a noção do valor dos produtos, a previsibilidade– que diminuem a intranquilidade em que vive a população, o que em si já representa um alívio.
Alguns analistas chegaram a avaliar que o efeito positivo da queda da inflação seria atenuado –se não sobrepujado– por um impacto negativo do lado do poder de compra. Talvez tenham subestimado o cansaço extremo, a completa saturação da sociedade com a violenta instabilidade dos últimos anos.
É evidente que o apoio ao plano depende da perspectiva de uma estabilidade duradoura, a qual, por sua vez, passa necessariamente pela adoção, sem muita delonga, de uma série de reformas estruturais para combater as causas primárias da inflação. Hoje, contudo, recém-saída de um longo e tenebroso tumulto monetário, a sociedade parece em lua-de-mel com uma inflação quase civilizada.

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