São Paulo, terça-feira, 16 de agosto de 1994
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Arrombando o cofre

Entra governo, sai governo e uma coisa parece não mudar no país: chegam as vésperas de um pleito e os cofres federais se escancaram para liberar recursos de caráter tipicamente eleitoreiro. Desde junho, segundo informou esta Folha, os repasses mensais voluntários da União para Estados e municípios aumentaram sete vezes em relação àqueles feitos nos cinco primeiros meses deste ano.
Se deve ser condenada em qualquer momento, essa antiga tradição da política brasileira torna-se particularmente inaceitável em meio a uma tentativa de estabilização a qual, como se sabe, tem no equilíbrio orçamentário sua premissa mais básica e inafastável.
Note-se que não se trata de questionar o interesse social da compra de ônibus escolares ou da pavimentação de ruas, mas sim de contestar que medidas paroquiais como essas sejam financiadas –a fundo perdido– pelo governo federal, ainda mais numa hora em que gastos como esse caminham contra o plano de reforma monetária que interessa diretamente a todo o país. Nesse contexto, causa redobrada perplexidade ver reeditado o eleitoreirismo míope de sempre, o mesmo paternalismo irresponsável que não se importa com nada para além do próximo pleito.
Não bastasse porém a exibição de fisiologismo eleitoral dos últimos meses, há informações inquietantes de que essa situação vai se prolongar –se não se agravar– ao longo do segundo semestre. Como esta Folha revela em reportagem publicada hoje, com a divulgação de um memorando interno do Ministério das Minas e Energia, há a orientação de moldar a atuação do governo às conveniências e demandas do calendário eleitoral –por exemplo, com o planejamento de um cronograma de inaugurações de obras que renda o máximo impacto possível nas urnas.
É uma manipulação do dinheiro do contribuinte que ressalta, de forma duramente realista, a gigantesca distância em que o país ainda se encontra –apesar das CPIs do Collorgate e do Orçamento– de um processo efetivo e continuado de moralização da esfera pública.

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