São Paulo, quarta-feira, 17 de agosto de 1994
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Câmbio e estética

ANTÔNIO DELFIM NETTO

Antonio Delfim Netto
Para o bem ou para o mal, querendo ou não, a sociedade e a administração pública acabam dependendo das sugestões e dos conselhos dos economistas.
Os problemas econômicos são complexos e as soluções simples e aparentemente óbvias são de resultados duvidosos. Aqueles conselhos e sugestões têm uma "racionalidade implícita" e acabam produzindo ações concretas reveladas na política econômica. É assim que a chamada teoria econômica e a sua utilização pelos economistas tem consequências práticas.
O grande problema ético envolvido é que a teoria econômica tem uma base empírica frágil e se deveria esperar dela mais indicações de efeitos qualitativos do que quantitativos.
Frequentemente, por outro lado, as sugestões de política econômica estão longe de serem inocentes do ponto de vista normativo. Elas sempre misturam uma certa pretensão de realismo e independência de juízo de valor (o que é) com uma visão ideológica e até estética (o que deveria ser).
Os "fatos", como disse uma vez o historiador E. H. Carr, "são como os peixes num grande oceano. O que pescamos depende largamente de onde escolhemos para pescar e dos instrumentos que escolhemos para a pesca".
Nada exemplifica melhor esse problema do que a atual política cambial. Qual era o problema? Todos sabiam que a irresponsável acumulação de reservas, produzida por um espantoso diferencial entre a taxa de juros interna e externa, foi a causa fundamental da expansão da base monetária dos últimos 30 meses.
Logo, uma das condições para o sucesso do real a curto prazo era eliminá-la.
Como acabar, então, com a influência do mercado do câmbio sobre a base monetária? Sem dúvida, a solução mais eficiente (e esteticamente mais atraente) seria deixar o câmbio flutuar. Essa é a solução confortável. É a única que merece o respeito dos economistas mais sofisticados.
Afinal, o que os economistas pretendem mesmo é o respeito dos seus pares. Um economista menos prisioneiro do seu senso estético talvez sugerisse outra solução, como por exemplo um compulsório sobre a entrada de capital (que fizesse a taxa de juros real interna igual à taxa externa mais o "risco Brasil") combinado com um câmbio flutuante dentro de uma banda.
Como é óbvio, a atual taxa de câmbio nominal está longe de ser fixada pelo "mercado" como se pretende, exatamente porque o "mercado" depende da taxa de juros que, por sua vez, depende da monetização produzida pelo Banco Central. O prejuízo dos exportadores não comove ninguém. A consciência das autoridades é acalmada pela idéia de que todos "especularam" vendendo câmbio antecipado e fazendo lucros no mercado interno graças às taxas de juros que elas mesmo produziram...
Mas o que está acontecendo com milhares de pequenos produtores de sapatos e móveis (em Itatiba, em Franca, no Vale do Rio dos Sinos) que nunca ouviram falar naquela operação? E, assimetricamente, por que dar um ganho de capital às empresas que estão remetendo juros, lucros e dividendos?
Ah, como custa caro o senso estético dos "cientistas"!
Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.

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