São Paulo, quarta-feira, 17 de agosto de 1994
Próximo Texto | Índice

O sonho do São Francisco

ALUIZIO ALVES

Tenho evitado entrar em confronto com políticos desinformados ou interessados na manutenção da indústria da seca, com jornalistas e colunistas que repetem, sem exame, argumentos pueris e equivocados sobre o Projeto de Transposição de Águas do Rio São Francisco.
Acho que meu dever essencial é cumprir a tarefa que me foi atribuída pelo presidente Itamar Franco ao receber, das mãos do presidente da Câmara, deputado Inocêncio de Oliveira, a "Carta de Fortaleza", preconizando, como solução contra os efeitos da seca, o sonho das águas do São Francisco para beneficiar os Estados de Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraiba.
E não ficar discutindo com quem está interessado em combater o projeto, por múltiplos interesses, e sem conhecê-lo.
Aos que queiram comprovar essa verdade, sugiro uma tática simples: quando alguém escrever ou falar sobre o projeto, e se a esse alguém tiver acesso, simplesmente perguntar: mas, como é o projeto? 99% dos interpelados terão de confessar que não o conhecem.
Lembro-me de um diálogo recente com alta autoridade, em Natal, perante alguns empresários:
– Até ontem, eu era contra o Projeto do São Francisco. Mas, ontem em Fortaleza, ouvi um amigo, que conhece bem o projeto, e hoje sou inteiramente favorável.
– Mas, o sr. era contra por quê?
– Porque não conhecia o projeto...
Se isso acontece com uma autoridade pública, avaliemos o que ocorre com outros que são contrários porque são oposição ao governo; são contrários porque insensíveis ao drama do Nordeste; são contrários porque preferiam que a solução fosse executada por outro ministro, filiado ao seu partido; são contrários porque acham bonito e moderno falar "em meio ambiente", sem jamais terem se lembrado dos efeitos da seca sobre o meio ambiente –a morte, pela fome, de pessoas e animais, a destruição da fauna e da flora, "um pesadelo de Deus", que em ciclos cada vez mais frequentes se abate sobre mais de 30 milhões de brasileiros.
Convivendo há décadas com esta realidade, sou capaz de pôr, em cada uma dessas pobres molduras, o retrato dos que são contrários sob os mais variados pretextos:
1) a obra é "faraônica" –a mesma despesa de um ano de seca, com suas esmolas e carros pipas– e, neste ano, menos da sexta parte desse gasto;
2) estamos num final de governo, como se, presa a esse prazo, a administração tivesse de cruzar os braços, e deixar, em dois exemplos, que a inflação continuasse em mais 7.000% ao ano, e o Nordeste tivesse de aguardar novo governo, com risco de uma nova seca, sua destruição e sua despesa assistencial;
3) o governo não deve fazer obras em ano de eleição, e então, neste período, o governo só poderia ter trabalhado em 1991 e 1993, pois, eleições tivemos em 90, 92 e 94;
4) é preciso defender a região do impacto sobre o meio ambiente, como se não tivéssemos, desde a primeira hora, e por especial recomendação do presidente Itamar Franco, tomado todas as providências junto aos órgãos competentes, e até, mais do que isto: determinamos ao Dnocs (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas), por portaria, que realizasse estudo também do impacto da seca e seus efeitos sobre o meio ambiente;
5) a despesa deste ano (US$ 300 milhões) –não tirados diretamente do Tesouro, mas obtido em empréstimo de longo prazo– vai derrubar o Plano Real quando, ainda há poucos dias, o governo liberou, por determinação do presidente, mais de US$ 400 milhões para melhorar as condições de saúde e tentar regredir os 25% de aumento da mortalidade infantil na seca de 93, além de US$ 500 milhões para concerto de estradas de rodagem.
Bom mesmo, para muitos desses opositores, políticos de máquinas viciadas, é o Nordeste dependente da indigência que fabrica votos em nome da fome e do desespero, para retirá-los do anonimato para as manchetes dos jornais ou dos pseudocientistas e ecologistas que fazem do meio ambiente uma falsa bandeira.
Mas os grandes sonhos e as grandes obras não se deixam vencer pela resistência de interesses menores. E o presidente Itamar Franco sabe que esta é a sua hora, é a hora do Nordeste.

Próximo Texto: A sangria do São Francisco
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.