São Paulo, sexta-feira, 19 de agosto de 1994
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Bianchi disseca dor em 'A Causa Secreta'

JOSÉ GERALDO COUTO
DA REPORTAGEM LOCAL

Filme: A Causa Secreta
Direção: Sergio Bianchi
Elenco: Rodrigo Santiago, Renato Borghi, Estér Goes, Ligia Cortez, Claudia Mello, Luiz Ramalho
Onde: a partir de hoje no Espaço Banco Nacional de Cinema, sala 3
Quem vê o cinema exclusivamente como diversão e entretenimento não tem nada a fazer numa sessão de "A Causa Secreta": o filme de Sergio Bianchi é feio, sujo e malvado.
Quem ainda acredita, ao contrário, que o cinema pode ser um meio de conhecimento de si e do mundo tem tudo para viver o filme como uma experiência dura, mas enriquecedora. Se cinema fosse refresco, Pasolini seria banido dele com seu "Saló", e Resnais com seu "Nuit et Brouillard".
A história de "A Causa Secreta" pode ser resumida assim: um grupo de teatro vai encenar uma adaptação do conto homônimo de Machado de Assis; o diretor da peça (Renato Borghi) pede aos atores (Rodrigo Santiago, Ligia Cortez, Claudia Mello) que façam "pesquisa de campo" sobre a dor, o sofrimento e a miséria.
Eles fazem então visitas a hospitais públicos, repousos para travestis aidéticos e outros recantos nada agradáveis de São Paulo. Essas cenas são de um realismo seco, quase de reportagem.
Paralelamente a isso, os membros do grupo exercitam entre si sua própria crueldade afetiva, enquanto ensaiam as cenas de sadismo psicológico escritas por Machado há um século.
Não há lenitivo nem redenção no mundo pintado por Sergio Bianchi. Todas as saídas habituais diante da dor e da miséria –hipocrisia, culpa, militância política– são submetidas a uma dissecação implacável. Claro que o resultado disso mal se contém nos limites do suportável.
No cinema brutal e sem concessões de Bianchi, como no de Bu¤uel e Pasolini, a dureza é quase sinônimo de pureza.
As próprias falhas técnicas que aparecem aqui e ali –de enquadramento, iluminação, montagem– não têm nada a ver com a displicência entediada de nossos cardeais do cinema. São, antes, as marcas de uma urgência imperiosa: mostrar o mundo ao mundo. É como se tudo mais fosse frescura.
Se há uma ressalva séria a ser feita ao filme, ela não está aí. Está na narrativa paralela da odisséia do diretor teatral, que serve aqui como alter ego de Bianchi, pelos corredores das secretarias de Cultura. Essa deslocada egotrip do diretor quase dilui a força do todo.
Já que se falou em falhas, há que ressaltar em compensação a impressionante interpretação dos atores. Eles parecem ter visto o verdadeiro inferno para transformá-lo em rostos, falas e gestos. Talvez tenham mesmo visto.
Convites na Folha
A Folha distribuirá gratuitamente convites para as sessões das 20h e 22h de hoje de "A Causa Secreta". Os convites, válidos para duas pessoas, podem ser retirados a partir das 13h na portaria do jornal (al. Barão de Limeira, 425).
(JGC)

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