São Paulo, domingo, 21 de agosto de 1994
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A concordata branca da Varig

RICARDO SEMLER

Quem, afinal, quebrou a Varig? E mais: como é possível trazer aos joelhos uma empresa que sempre gozou de favores oficiais, virtuais monopólios e facilidades bancárias especiais?
Talvez o livro de recordes do Guinness seja o único local honroso para registrar esta façanha. Quando escrevi na página 3 desta Folha, há alguns anos, o artigo "Falta Privatizar a Varig", veio pau de tudo que é lado. A Varig é vista, é de fato, uma instituição nacional.
Merece, claro, todo o respeito possível, iça a bandeira brasileira com competência mundo afora, e leva uma imagem positiva do país aos quatro cantos.
Isto não desculpa, porém, as mazelas, desmandos e incompetência que têm caracterizado a empresa do mandato do Hélio Schmidt e da atual gestão. Um patrimônio esplendoroso foi reduzido a cinzas pela falta de visão e prepotência de um feudo de administradores que mais parecem gestores de autarquia pública.
Não que a Varig não seja uma semi-estatal, já que depende penhorada do governo. A mídia tem sido co-patrocinadora deste debacle. Talvez em razão dos tentáculos intermináveis da Varig, que é grande anunciante e soberba distribuidora de passagens de cortesia, e "upgradings" para personalidades que lhe interessam. Assim, as declarações da direção, desmentindo a deterioração, ou afirmado que em breve a empresa estaria em boa condição, foram publicadas "ipsis literis", sem qualquer análise mais detalhada. E sempre sem comentário em contrário.
No meio tempo, a Varig chegou a um ponto tal que sua liquidez corrente é de apenas 0,35. Em outras palavras, deve a curto prazo quase três vezes o que tem. A liquidez de médio prazo é ainda pior, com a empresa tendo a pagar quase cinco, pasmem, cinco vezes mais do que tem a receber.
Resultado: quase 3.000 demissões, corte de verbas, diminuição da qualidade do serviço, desmotivação profunda e visível a olho nu de tripulantes e pilotos. Em seguida, devolução dos aviões mais desejáveis, do ponto de vista dos passageiros –os Jumbos 747-400– e, agora, a estocada final.
A direção da empresa e quase toda demissionária, para acomodar exigência dos credores americanos: só deixam a Varig sobreviver se tiverem assento no Conselho de Administração –a humilhação final, já que prova a vital desconfiança em relação a competência dos diretores. Cortaram-se linhas, introduziram-se escalas adicionais, fecharam-se escritórios no exterior. Sinais de decadência inexorável, vexame para quem tem, como todos nós, orgulho de ver uma aeronave ou uma representação brasileira no primeiro mundo.
A introdução do programa de milhagem, Smiles, e outro exemplo de "timing" de jerico. Depois de quase dez anos deste sistema no mundo, a Varig introduz o seu, quando já não tem fôlego para nada.
Como brasileiro, e considero a Varig um patrimônio nacional, já que vive por causa de favores e concessões dos cidadãos, passo a viajar cada vez mais de Varig, cruzando os dedos para que os verdadeiros competentes, os pilotos, funcionários e tripulantes, garantem o sonho do Rubem Berta.
Seja se insurgindo contra os desmandos dos que quebraram a empresa, seja assumindo, como na United, o controle da administração para si. Saberiam o que fazer com a empresa, e voltaríamos todos a um céu de Brigadeiro. Coragem!

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