São Paulo, domingo, 21 de agosto de 1994
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O Defensor da Sociedade

INES DO AMARAL BUSCHEL

No ano de 1991, alguns promotores de Justiça do Estado de São Paulo, inspirados no exemplo europeu, uniram-se a outros promotores e procuradores de Justiça de outros Estados, bem como a alguns procuradores da República, com o intuito de criar uma associação civil que terminou por denominar-se "Movimento do MP Democrático".
A aproximação desses profissionais deu-se em razão de um passado de lutas, não só pela democratização da própria instituição, mas também pela conquista de um Estado de Direito democrático.
Entendemos que o Ministério Público deve preocupar-se com a efetiva igualdade de todos perante a lei e com a democratização do acesso à Justiça, não devendo atrelar-se ao interesse de qualquer governo, mas sim defender o interesse da sociedade civil.
Há juízes de direito e promotores de Justiça que fazem ouvidos moucos à regra disposta no artigo 5º da Lei de Introdução ao Código Civil que determina: "Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum."
Age contra nós, ainda, uma legislação ultrapassada e a má vontade de nossos legisladores que relutam em atualizá-la.
Nosso Código de Processo Penal, por exemplo, data de 1941. Nossas leis referentes a crimes contra o patrimônio público, têm uma certa timidez em tomar como réus administradores públicos, haja vista a recentíssima Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo.
A verdade é que estamos mais acostumados a processar os cidadãos comuns, que não oferecem muita resistência, não têm recursos e nem parentesco com poderosos. A igualdade de todos perante a lei, ainda é só um direito formal para a maioria dos cidadãos do mundo. Imagine-se então esse direito em países pobres e recém saídos de regimes ditatoriais como o nosso.
Ademais, a estratégia do medo ainda vigora dentro de nossa instituição. Todo aquele que ousar fazer críticas, será tachado de "inimigo" do Ministério Público. Um grande número de integrantes da administração superior, repete à exaustão, que o Ministério Público já tem muitos deles.
No entender desses seres iluminados são inimigos do MP: o Poder Judiciário; a Polícia Civil e Militar; a Procuradora do Estado e a Defensoria Pública; a OAB; todos os parlamentares; todos os órgãos de comunicação. Logo mais, dirão que também o povo está contra nós!
Pretendem com isso, obter o retraimento dos promotores de Justiça. A frase mais repetida entre os promotores e procuradores de Justiça hoje é "roupa suja se lava em casa", como censura àqueles colegas que, como faço agora, levam à público suas dissidências.
Esquecem, contudo, que o Ministério Público traz em seu próprio nome a sua natureza: público. Não constituímos uma família no sentido privado do termo, mas sim, somos profissionais do direito pagos pela Fazenda pública que, por sua vez, recolhe fundos através de tributos que lhe são pagos pelos contribuintes, ou seja, pela própria sociedade.
O que não podemos é dar motivos para que os órgãos de comunicação nos ataquem. Agora, impedir que erros efetivamente praticados venham a público através da imprensa, é pretender tapar o sol com a peneira. A liberdade de expressão que defendemos por dever de ofício, não o é só para nós.
No Estado de São Paulo, felizmente, esboça-se uma reação a esse estado de coisas, haja vista a eleição de um Conselho Superior composto por procuradores de Justiça descomprometidos com o governo estadual. Dois deles são integrantes do MPDemocrático.
Gostaria de lembrar que só um perfeito congraçamento entre os membros do Ministério Público, do Poder Judiciário e da polícia é que poderá contribuir para o necessário e urgente enfrentamento ao crime organizado.
Os policiais, os juízes e promotores precisam unir-se e especializarem-se no combate ao crime organizado (tráfico de drogas, corrupção de funcionários públicos, lavagem de dinheiro, sequestros, sonegação fiscal, quadrilhas, etc), pois hoje as organizações criminosas já detém esquema extremamente sofisticado.
Se assim não for, a marginalidade continuará minando o tecido social, tal qual o estreptococo do grupo A que vem causando a fasciite necrotisante.
É preciso, ainda, jogar água na fogueira de vaidades que permeia as duas instituições irmãs –Ministério Público e Magistratura– antes que o crime organizado comece a matar seus integrantes, tal como já fez na Itália e na vizinha Colômbia.

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