São Paulo, domingo, 21 de agosto de 1994
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Plano Real - trajetória inicial e pontos críticos

ROBERTO TEIXEIRA DA COSTA

Um conjunto de razões explicam o sucesso inicial do Plano Real. Contrariamente aos dois planos que representaram maior esforço de acabar com a inflação –respectivamente o Plano Cruzado e o Plano Collor–, as reações ao Plano Real foram muito diferentes. Não houve a euforia artificial do primeiro e nem o trauma do segundo.
A aceitação da sociedade em geral à troca do novo padrão monetário foi muito positiva, excedendo as expectativas, e a atitude dos consumidores foi a de forçar a baixa de preços e somente adquirir bens de consumo absolutamente essenciais, postergando-se consumos não essenciais. A mídia vem desempenhando importante papel ao fazer um trabalho educativo, ainda em curso, insistindo na necessidade de pesquisar e barganhar preços.
Portanto, ainda que prematuro celebrar êxitos, pode-se observar uma desindexação momentânea na economia, com reversão das expectativas.
A cesta básica, conforme indicações do Ministério da Fazenda, indicava em 17 de agosto uma redução de 6,33% em relação ao início de julho, quando da introdução do real.
O governo acompanha o sistema de preços sem intervenções diretas e preferiu municiar-se de instrumentos legais mais modernos para prevenir práticas abusivas de formação de preços, ampliando os poderes dos órgãos governamentais já existentes.
O balanço de pagamento no seu conceito mais amplo e a balança comercial não fornecem indicativos preocupantes. Ao contrário, noticia-se a volta do investidor estrangeiro para as Bolsas, uma vez superada a surpresa da valorização do real.
As Bolsas, como se esperava, reagiram favoravelmente ao Plano Real e mostraram uma valorização real de 39% (em dólares, 55%) entre 1º de julho e 18 de agosto, com o volume de negócios situando-se nas últimas duas semanas na média de US$ 280 milhões por dia.
Os juros na introdução do real tiveram taxas elevadíssimas, mas paralelamente decresceram e se situam num novo patamar, função da expansão monetária.
Quais os pontos críticos?
Aumento excessivo de demanda pode pressionar preços. Teoricamente, há uma margem para ajuste (queda) em função das remarcações efetuadas antes de julho. No entanto, havendo crescimento exagerado da demanda, tais correções podem ser inibidas, e haverá maior espaço para a validação de preços mais altos.
Até julho não houve tal sintoma. Porém, nos primeiros dias de agosto houve forte reativação nas vendas e demanda por crédito para consumo.
Pressão do aumento de salários do funcionalismo público (isonomia entre os três poderes) sobre o Tesouro. As pressões sobre e do presidente traduziram-se em um reajuste médio para os militares de 11,3% e entre 12,9% e 16,5% para os funcionários civis. Há expectativas de que em novembro haja novo reajuste. Pelo lado das receitas ainda se desconhece se os próprios efeitos do plano serão positivos ou negativos.
Excesso de monetização. Poderá haver uma expansão da base monetária acima dos limites que foram autorizados na medida provisória do Plano Real. A expansão máxima prevista é de R$ 7,5 bilhões. Há o temor de que esse valor tenha sido atingido, o que forçará as autoridades monetárias a manter as taxas de juros em níveis elevados.
O sistema financeiro vem fazendo e deverá continuar desenvolvendo grande esforço para ajustar-se a uma nova realidade de uma moeda estável.
Até o momento não houve grande crise de liquidez, muito embora algumas instituições de pequeno porte tenham apresentado sérios problemas, o que obrigou o Banco Central a intervir.
Nesse contexto, será fundamental uma reavaliação do atual sistema de tributação do mercado financeiro de forma a adequá-lo à nova situação, propiciando um ambiente para o alongamento dos prazos da dívida interna e do financiamento à produção.
O setor exportador é evidentemente sensível à nova situação cambial, onde houve, após a introdução do real, uma valorização próxima a 10% da nova moeda em relação ao dólar. Assim, o setor, que já se queixava por antecipação de uma provável situação de câmbio congelado por alguns meses, teve de absorver esse impacto adicional.
A curto prazo, esse fato vem sendo absorvido. Mas, à medida que os meses forem passando, as pressões do setor devem se elevar.
Finalmente, não podemos deixar de registrar que houve uma trégua pré-eleitoral. Há legítimos interesses constituídos para a eleição de Fernando Henrique Cardoso, e para tanto, a continuidade de êxito do Plano Real. Quase sem exceção, os mais renomados comentaristas e consultores econômicos têm feito rasgados elogios ao plano e enfatizado que sua execução e resultados superaram as expectativas.
As críticas mais contundentes vêm da oposição, principalmente de Lula. Mas ainda assim, tendo se dado conta da boa aceitação da nova moeda, o candidato do PT tem centrado as críticas não na sua criação e sim nas consequências recessivas, como a diminuição de empregos, que poderá vir a provocar.
É opinião geral que a divulgação das próximas pesquisas eleitorais vai impactar daqui por diante no comportamento dos mercados, principalmente o dos mercados de risco. O mês de agosto em curso está sendo o primeiro mês de propaganda gratuita no rádio e TV e parece assim que no início do próximo mês o cenário das eleições de outubro deve estar com o seu contorno definido.
A esta altura, existe forte polarização entre as duas candidaturas e o mais provável é que mesmo havendo um segundo turno, dificilmente Fernando Henrique deixará escapar essa vitória. Convém mais uma vez lembrar e ressaltar que mesmo admitindo-se a eleição de Fernando Henrique, ainda assim vão lhe restar grandes desafios pela frente para que o plano de estabilização traga resultados permanentes, ressaltando-se as necessárias reformas dependentes do Congresso, como a reforma da Constituição e do sistema previdenciário e a reforma fiscal.
Concluindo, o balanço do plano nos parece essencialmente positivo.
Destacamos a habilidade da equipe econômica em sinalizar aos agentes a inflação relevante pós-plano; a aparente concordância da classe política, que em sua maioria se absteve de criticar o plano, o que se traduziu em baixa demanda por modificações na essência do programa; baixo questionamento a nível do Judiciário; absorção dos impactos da saída do BC do mercado de câmbio; a sinalização, por parte da equipe, quanto à necessidade de se promover um alongamento do perfil das aplicações financeiras e recuperação do redesconto; e finalmente, o fato de que pela primeira vez nos últimos anos um plano econômico reduziu a taxa de inflação sem recorrer a congelamento de preços.
A receptividade da sociedade à troca do padrão monetário e a expectativa de ter uma moeda estável excederam as expectativas.
Por outro lado, pressionará o plano o fato de que a inflação do primeiro mês, embora próxima de zero no conceito de ponta a ponta, não é uma inflação neutra do ponto de vista de demanda por reajustes salariais.
A isso soma-se o fato de que em setembro deverão convergir questões de grande relevância fiscal, como o reajuste do salário mínimo e o fim da Ufir, além de ser o mês de referência para a avaliação da primeira meta monetária trimestral. Em meio a tudo isso, estaremos na reta final do primeiro turno das eleições. Sem dúvida, será no mês de setembro o próximo teste para a equipe econômica.
Nossa aposta é de que mantidos o rigor de propósitos e a habilidade atuais, os resultados devam ser positivos, muito embora, como de hábito, estejamos mergulhando ciclotimicamente numa fase de grande euforia que tem os seus riscos.
Como disse com muita propriedade o ministro Ricupero, "o jogo da estabilização apenas começou".

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