São Paulo, domingo, 21 de agosto de 1994
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Dupla brasileira acha Benetton 'sacana'

JOSÉ HENRIQUE MARIANTE
DA REPORTAGEM LOCAL

Eles se enfrentam desde os tempos do kart e por vários motivos poderiam não se dar bem. Mas, ao contrário do que muitos pensam, Rubens Barrichello e Christian Fittipaldi são grandes amigos.
Ainda mais agora, quando são os únicos brasileiros na F-1. Uma responsabilidade grande, depois que o país perdeu seu representante maior, o tricampeão mundial Ayrton Senna, morto em acidente no GP de San Marino, em 1º de maio último.
Num encontro promovido pela Folha em Hungaroring, onde aconteceu na semana passada o GP da Hungria, os dois pilotos entrevistaram um ao outro.

Christian Fittipaldi - Qual foi a situação em que você mais sentiu medo na F-1?
Rubens Barrichello - Medo mesmo? Segundos antes da porrada em Imola posso garantir que sofri. Percebi que ia bater e tava perigoso.
Bem agora é minha vez. Não vou perguntar de casamento porque é sacanagem...
Folha - Você pode perguntar o que quiser...
(Barrichello pega o gravador)
Barrichello - É verdade. Eu sou o repórter. Cristiano (é assim que Barrichello o chama), você acha que seu carro tem condições de melhorar até o final do ano. Andar como em Mônaco? O Brasil quer saber...
Fittipaldi - Ter ele tem. Só que depende de uma série de coisas. É claro que um dos aspectos é o fato de a gente não ter dinheiro. Isso dificulta um pouco. Eu não vou dizer como em Mônaco, mas se o carro estivesse como ele estava no começo do ano, quando a gente era um "step" (passo) para frente, já seria bem melhor. Em Mônaco ele tava muito bom, se sobressaiu.
Quem é o cara que mais causa problema de tráfego para você na pista? Quem mais faz besteira na sua opinião?
Barrichello - Martin Brundle (piloto da McLaren). É o cara que mais me atrapalha...
Fittipaldi - Essa era a parte básica da pergunta. Agora, que atitude você tomou a respeito?
Barrichello - A verdade é que existem 27 pilotos com os quais eu não tenho problemas e com ele eu tenho. Concorda comigo?
Fittipaldi - Concordo. Ele é um tanto quanto agressivo. Depende do dia. Às vezes é super-simpático, cumprimenta, fala com todo mundo. Tem dias que você passa na frente dele e parece que você é um mero espectador da F-1 e ele é o máximo da vida.
Barrichello - Agora, lado sentimental da história (Christian ri). Não, mas F-1 ainda. Você tem a mesma vontade que eu de sermos "teammates" (companheiros) em uma equipe grande, como a Williams? Fala, se não...
Fittipaldi - Os dois na mesma equipe?
Barrichello - É, os dois com o carro número 1.
Fittipaldi - Acho que sim. Posso garantir que, com a zoeira que a gente vem fazendo ultimamente, colocaríamos aquela Williams de ponta-cabeça. Com certeza.(os dois riem)
E se sua única opção fosse correr na Pacific (a pior das equipes de F-1)?
Barrichello - É um lado difícil da história porque ao mesmo tempo que eu sei que tem duas pessoas que correm lá e tem que se contentar com isso...
Fittipaldi - Espera. Vamos supor que você não tem dois anos de F-1. É a sua primeira chance.
Barrichello - Sem a experiência, exatamente como eu comecei, eu aceitaria. Mas cairia do cavalo com certeza. Coisa até que eu falo para o Gil (de Ferran, piloto brasileiro que disputa a F-3.000 internacional). A gente tenta ajudar o Gil, pois achamos que ele é o próximo por aqui, o que está mais perto da F-1. Eu, de uma certa forma, falo: Não sente em coisas como Pacific ou Simtek. Por quê?
Porque você não consegue aparecer, mesmo sendo um segundo mais rápido que seu companheiro de equipe. É tão mais atrás que ninguém olha. Eu tive sorte.
Aceitei a Jordan, porque era bom para mim, bom para muitas coisas, mas na euforia. Depois, quando eu não sabia se iria ser motor Hart ou Yamaha, bateu uma dúvida muito grande. Fiquei meio desesperado. Hoje, com a experiência, de jeito nenhum eu correria na Pacific.
E você, no próximo ano, o que espera estar fazendo? Qual é a sua vontade?
Fittipaldi - Estar dando muito risada. Fora isso, estou numa situação hoje na F-1 como nunca me encontrei antes. Nunca foi tão boa. Quanto ao futuro estou tranquilo. Tenho duas ou três ótimas opções, mas a questão não depende só de mim. Falta encaixar tudo, mas estou despreocupado.
Fittipaldi - Não, tudo bem. Deixa eu ver agora...
Barrichello - Dá uma sacaneada que está muito sério.
Fittipaldi - Você viu a cena do incêndio do Joe Verstappen? O Flavio (Briatore, diretor da Benetton) fazendo assim com a mão (tirando a fumaça do rosto, como se tivesse nojo). Pô, ele não pode respirar um pouco de fumaça e o outro quase morre dentro do carro.
Barrichello - Aproveito e falo de uma coisa já provada. Eu já tive a chance de conversar com o Briatore. Ele é uma pessoa que não dá para fazer um "deal" (negócio). Não dá porque você não pode acreditar. Ele sempre quer levar a melhor. Quanto ao negócio da Benetton, se deve ser punida, deve ser e muito. Não tem cabimento. Na corrida do Brasil, o Senna perdeu por causa disso. Por causa da bomba. A gasolina descia dois segundos mais rápido. Se o Senna tivesse saído na frente do Schumacher, no pit, ele não teria problemas para manter a diferença.
Agora, qual foi a atuação de uma fã que mais te deixou assustado? Se der para contar...
Fittipaldi - Uma vez rolou uma história muito louca...
Barrichello - Antes de ele estar namorando, logicamente...
Fittipaldi - Pior de tudo é que foi. Na época em que eu corria acho que de F-3, em Goiânia. Evidentemente não posso contar a história inteira mas foi estranha.
Barrichello - Não foi em Guaporé? (dando a entender que sabe da história)
Fittipaldi - Não, foi em Goiânia. Lá num hotel, ou no "Toppo Gigio" ou no "Las Carreras". (gargalhadas). São dois hotéis que tem na cidade. Um tem meia estrela e outro não tem nenhuma.
Barrichello - Agora você nunca viu dois pilotos brasileiros se darem tão bem, não é?
Folha - Não. E vocês têm uma difícil missão que é segurar a F-1 no Brasil. Vocês estão preparados para isso?
Barrichello - Agradeço a Deus pela chance de estar podendo dar um mínimo de alegria para o Brasil. Nós dois, aliás. Primeiro porque a gente se dá muito bem. É algo que eu curto bastante. Mesmo se a gente bater lá dentro, vamos conversar mas não vai ter problema. A gente dá muito risada juntos e nós nos ajudamos também. Uma vez eu tive um problema no banco e ele me orientou, por exemplo.
Fittipaldi - Que banco?
Barrichello - Banco do carro. Eu tava sofrendo com dores nas costas.
Fittipaldi - Nossa, pensei que fosse alguma transferência de dinheiro.
(a entrevista é interrompida por uma fã, que pede um autógrafo para Christian sobre uma foto antiga sua).
Barrichello - Tá bonito, hein Chitãozinho (referência ao corte de cabelo de Christian na foto)?
Fittipaldi - Foi minha primeira corrida de F-1.
Barrichello - Mas continuando, a gente tem a sorte de, como aconteceu em Mônaco, eu ir mal e o Christian ir muito bem. Em Barcelona, foi ao contrário. É lógico que agora meu carro está melhor. Mas eu não recebo nenhuma pressão do Brasil. Estou tendo sim é muito suporte. Acho que o Brasil me dá muita força. As pessoas torcem para que a gente vá bem. Elas não cobram isso. Isso me deixa feliz e eu espero que no ano que vem a gente possa sentar num carro melhor e aí sim fazer mais.
Fittipaldi - Eu penso mais ou menos da mesma maneira e uma coisa que me chamou a atenção, principalmente nos últimos três meses, depois de tudo o que houve, depois de Imola. Toda a vez que eu volto para o Brasil, tenho muito mais suporte do que há um ano atrás. Acho que o país está com "fome", está querendo que a gente comece a ir bem, da mesma maneira que o Senna. Tenho certeza que isso vai acontecer. E só dar um pouco de tempo ao tempo.
Barrichello - Rúbito e Cristiano. Segura! (grita, como um locutor de rodeio)

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