São Paulo, domingo, 21 de agosto de 1994
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Cinema expõe medo da casa violada

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

Casas mal-assombradas não esperaram o cinema de terror para marcar sua presença. No fim do século passado, o francês Méliès já fazia do diabo um personagem tão célebre quanto desconfortável.
Méliès fazia dessa presença um elemento de comédia. A tradição, no entanto, jogou as assombrações para o lado do fantástico, como em "A Queda da Casa de Usher", de Jean Epstein (1928).
No cinema de terror, a idéia de casa mal-assombrada rima com a de violação do lar por seres imaginários. Seu interesse está associado à ambiguidade da situação: são seres criados pela imaginação, a quem o cinema tem a capacidade de conferir realidade. Ou seja, os seres podem ser imaginários, mas o medo que nos transmite é real.
O repertório de títulos é quase interminável. Existe "A Casa das Almas Perdidas", "A Casa do Espanto", "A Casa do Terror". Para não falar do terrível "Hellraiser", escrito e dirigido por Clive Barker –o mais recente representante da extensa tradição britânica no gênero. São todos filmes relativamente recentes, que existem em vídeo.
Muito interessante é "Poltergeist", em que uma família se muda para uma casa construída em cima de um cemitério. O mais interessante é que os mortos se manifestam através da televisão (o que é motivo para uma interessante crítica a um mundo dominado pela TV).
Mas vale, entre tantos exemplares, pinçar um filme francês, de um diretor nascido na Polônia e com passagem por Hollywood. "O Inquilino", de Roman Polanski, é um belo exemplo de encontro entre real e imaginário no cinema.
Um inquilino estrangeiro instala-se em um apartamento em Paris cuja antiga ocupante havia se jogado pela janela. Aos poucos, ele começa a ver vultos. Aos poucos, esses vultos adquirem realidade.
O personagem mergulha em uma paranóia de múltiplos aspectos. Existe, de um lado, a rejeição do estrangeiro pelo francês (e sua crença de que os outros habitantes querem que ele também se suicide). De outro, a célebre e antipática figura da "concierge", espécie de xerife dos prédios franceses (mistura de porteiro e síndico).
Mas, sobretudo, é a indistinção entre o real e o imaginário que faz a arte de Polanski neste filme, de tal modo ele consegue fazer o espectador oscilar entre a crença de que é realmente perseguido e vive em um prédio mal-assombrado, ou de que se trata de um caso psiquiátrico. É nessa ambiguidade que reside –sim, reside– o principal interesse deste filme delicadamente tétrico, um dos melhores trabalhos do diretor.

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