São Paulo, domingo, 21 de agosto de 1994
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Sarney colunista

O senador lança a coletânea de artigos "Sexta-feira, Folha"

JOSUÉ MONTELLO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Erramos: 28/08/94

O ex-presidente José Sarney é atualmente senador pelo Estado Amapá e não do Maranhão como foi publicado em legenda. Sarney colunista
Na bibliografia de um escritor, ocorrem frequentemente dois tipos de livros: uns, que ele premeditou, na unidade da criação literária; outros, que ele aglutinou, na unidade gráfica do volume, e que se formaram ao sabor das circunstâncias, por força dos textos que essas circunstâncias lhe impuseram.
O conto, a novela tradicional, a crônica lírica, o artigo de jornal, o ensaio breve, na variedade natural de seu texto e de sua inspiração, alcançam o altiplano da literatura, sempre que superam a motivação ocasional que os inspirou.
A bibliografia do nosso Machado de Assis nos proporciona os melhores exemplos de ambos os caminhos. Ele próprio se encarregou de justificar-se, em mais de um pequeno texto introdutório, e de que é exemplo expressivo a advertência com que abriu, em 1906, as "Relíquias de Casa Velha": 'Uma casa tem muita vez as suas relíquias, lembranças de um dia ou de outro, da tristeza que passou, da felicidade que se perdeu. Supõe que o dono pense em as arejar para o teu e meu desenfado. Nem todas serão interessantes, não raras aborrecidas, mas, se o dono tiver cuidado, pode extrair uma dúzia delas que mereçam sair cá fora."
Basta lembrar, como ilustração da advertência machadiana, que figuram nas "Relíquias de Casa Velha" textos como "Um capitão de Voluntários" e a "Anedota de cabriolé" –sem esquecer os 14 versos do "Soneto a Carolina", que abrem o volume, e que teriam consolado o escritor na solidão e amargura de sua viuvez.
O novo livro de José Sarney –já vivida a culminância do triênio político como Presidente da República, na plenitude do regime democrático– traz em si a unidade da longa experiência lucidamente acumulada, permitindo-nos reencontrar, nas páginas de circunstância, o escritor e o político, com a objetividade natural de que, afeito ao convívio das palavras, sabe encontrar com elas o pretexto da obra perdurável, à revelia do que possa haver de efêmero na inspiração do artigo de jornal.
Em 1990, longe do poder, já concluído o seu mandato presidencial, Sarney entrara a viver o duro noviciado do ostracismo quando Otavio Frias foi buscá-lo para que, às sextas-feiras, ocupasse um espaço cativo neste jornal.
Em Paris, neste século, o diretor de "Le Figaro", Pierre Brisson, fez de François Mauriac, poeta, romancista, biógrafo, o famoso autor dos "Bloc-notes", em que debateria, todas as semanas, os fatos políticos e culturais, no corpo do jornal, e que, transformados em livro, espelhariam os momentos fundamentais da história contemporânea, no curso de algumas décadas.
Homem de jornal na juventude, não foi difícil a Sarney ajustar-se ao jornal que lhe abria uma coluna, às sextas-feiras, para que opinasse sobre os fatos correntes, com o lastro de sua experiência intensamente vivida, no plano da vida pública e política –sem deixar de ser também escritor, com a palavra exata e comunicativa, própria do estilo objetivo da imprensa moderna.
Daí o êxito de seu palmo e meio de jornal. O texto que poderia ser efêmero, exaurindo-se na primeira leitura, reflui agora na unidade gráfica do livro, neste "Sexta-feira, Folha", que nos devolve o articulista excelente e vivo, na perfeita encarnação do escritor.
A rigor, no repasse destas páginas momentâneas, Sarney nos ministra um curso intensivo de política moderna, sem perder de vista a realidade internacional, na sua feição diplomática. E como tive o privilégio de acompanhá-lo em suas andanças, posso também dizer aqui que muitas das páginas mais candentes deste livro conferem com o original.

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