São Paulo, domingo, 21 de agosto de 1994
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Exército dos EUA cria campo de batalha digital

VINCENT KIERNAN
DA "NEW SCIENTIST"

Depois da Guerra do Golfo, em 1991, o Pentágono admitiu que cerca de um quarto dos soldados americanos mortos em ação foram vítimas de seus compatriotas. E em um incidente único durante os combates, nove soldados britânicos foram mortos quando um avião americano abriu fogo contra eles.
Incidentes nos quais soldados são mortos por "fogo amigo" enfatizam a necessidade de mais comunicações em campo de batalha.
Para contornar o problema e aumentar seu poder militar, o Exército dos EUA está apostando em redes de computadores que vão compartilhar informações instantaneamente pela zona de guerra e fornecer aos comandantes um controle sem precedentes sobre suas tropas.
Isso, pelo menos, teoricamente. Na prática, o primeiro teste de uma "força digital" mostrou-se decepcionante. A abordagem escolhida pelo Exército foi muito criticada, e críticos argumentam que uma máquina militar computadorizada poderia se tornar vulnerável a novas formas de ataque.
Oficiais do Exército propõem um gasto de US$ 2 bilhões durante os próximo cinco anos em programas para "digitalizar os campos de batalha".
Em 1996, eles esperam ter digitalizado a primeira brigada, e o plano é ter todo o Exército digitalizado em 2010.
Se as metas forem cumpridas, comandantes não precisarão mais usar mapas e canetas para revelar os planos de batalha a suas tropas.
Em vez disso, eles vão desenhar os planos em mapas computadorizados que serão transmitidos diretamente a todas as forças e exibidos em telas nos tanques e até em visores "vestidos" pelos soldados –que poderão conhecer as posições precisas das unidades amigas.
Computadores acompanharão soldados, exibindo suas posições na tela do general. E alguns soldados poderão até usar câmeras de TV nos capacetes para que os generais possam ver a oposição enfrentada.
Conversas no rádio serão coisa do passado. Em vez disso, soldados digitalizarão mensagens entre si em teclados e as transmitirão em pulsos curtos, uma tática projetada para reduzir as chances de o inimigo determinar a posição pelos rádios.
"Estamos dando um salto fundamental, dramático, na maneira pela qual executamos o comando de batalha", diz William Hubbard, dos Laboratórios de Batalha do Exército em Fort Monroe, Virginia, que está desenvolvendo vários dos conceitos do campo de batalha digitalizado.
"É uma mudança provavelmente tão revolucionária quanto a ocorrida no Exército dos EUA quando colocamos rádios sem fio em veículos, na década de 30."
Como outras mudanças que ocorrem no Pentágono, a caminhada do Exército rumo à digitalização pode ser atribuída à queda da União Soviética.
Durante a Guerra Fria, o Exército americano sabia quem era seu inimigo, que armas ele tinha e que táticas eram necessárias para conter uma ofensiva.
Os americanos simplesmente projetavam suas armas e táticas em função da ameaça soviética.
Essa estratégia agora está morta. O Exército não sabe mais quem vai ser o próximo inimigo e que armas enfrentará.
Ao mesmo tempo, o fim da Guerra Fria levou a cortes no orçamento do Pentágono. O Exército, por exemplo, vai reduzir de tamanha, de 727 mil soldados para 495 mil.
Para compensar a ignorância a respeito do inimigo e do tipo de poder de fogo americano, generais do Exército decidiram que precisam de "consciência de situação", ou a habilidade de avaliar o significado de eventos nos campos de batalha à medida que vão acontecendo.
É aí que a tecnologia digital entra. Ela vai manter os comandantes em contato com o que acontece por toda a zona de batalha e manter os soldados atualizados.
"Com uma simples imagem do campo de batalha, todos vão ter a mesma informação ao mesmo tempo", diz a publicação do Exército "The Vision".
Comandantes poderão ver o que o inimigo está fazendo quase instantaneamente e decidir qual será o melhor uso das forças disponíveis.
Derrota digital
Essa é a visão, mas a realidade é diferente. Quando o Exército testou sua parafernália digital em abril passado, os resultados não foram claros.
O teste, conhecido como Experimento de Guerra Avançado, ocorreu no Centro Nacional de Treinamento, um nome grandioso para um pedaço do deserto de Mojave, no sul da Califórnia.
O exercício colocou uma unidade inteiramente digitalizada contra uma oposição armada de maneira convencional.
Sistemas digitais foram instalados em mais de cem veículos, incluindo helicópteros de ataque Apache, tanques Abrams M1 e aviões de reconhecimento de controle remoto.
Os tanques receberam um sistema de comunicação conhecido como Sistema de Informação Interveículos (Ivis). Com a ajuda de satélites, o Ivis exibe automaticamente em uma tela a localização de tanques aliados, enquanto soldados informam a posição dos tanques inimigos.
Alguns soldados na força digital usaram um sistema que captura imagens digitais do campo de batalha através de uma câmera acoplada ao capacete e as transmite para o comando.
Apesar da suposta vantagem tecnológica, o Exército digital perdeu feio para a força convencional. Este grupo, denominado Força Oponente, tomou uma série de medidas simples para confundir o inimigo digitalizado.
Ele confundiu os sensores infravermelhos da força digital queimando carvão espalhado em pontos do deserto. Ele também abandonou os rádios –sabendo que a força digital os localizaria– e usou fios de telefone.
Oficiais do Exército, porém, não perderam o entusiasmo pela digitalização. "Claramente, acho que as expectativas não foram atendidas", diz William Langford, do Escritório de Digitalização do Exército.
Mas, ele diz, a derrota pode ter sido causada pela maneira como o experimento foi conduzido. Os sistemas foram instalados só para o exercício, o que significou que os soldados precisaram aprender a usá-los no local.
Hubbard diz que à medida que o exercício progrediu, os soldados na força digital se tornaram mais familiarizados com o equipamento. "Com o tempo, o desempenho deles melhorou dramaticamente." Ao final do exercício, eles estavam sobrevivendo a mais ataques e acertando mais forças inimigas do que uma unidade armada típica, ele diz.
Mesmo supondo que um dia a força digital vença a Força Oponente, o caminho do Exército à digitalização deve ser difícil. O orçamento decrescente de defesa americano não pode instalar de pronto equipamento digitais. Apenas alguns equipamentos serão instalados.
Há também as críticas à digitalização. A tecnologia pode dificultar forças internacionais, pois os sistemas de países aliados podem não ser compatíveis entre si. Langford admite que o Exército americano não se preocupou muito em ter uma tecnologia compatível com o sistema que está sendo investigado no Reino Unido, por exemplo.
Outra crítica é a abertura a novas formas de ataque, como vírus de computador implantados pelo inimigo.
Mas apesar dos eventuais problemas, o Exército acha que a "digitalização terá impacto" no futuro, nas palavras do secretário do Exército dos EUA Togo West.

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