São Paulo, domingo, 21 de agosto de 1994
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Duas visões do desemprego

GUY HERZLICH; VÉRONIQUE MAURUS
DO "LE MONDE"

Aos 86 anos, John Kenneth Galbraith é sem dúvida o mais célebre dos economistas americanos. Mas este honorável professor de grandes universidades (Princeton, Harvard, Cambridge, Oxford), antigo embaixador, antigo jornalista, é também um anticonformista que sempre sustentou as teses ditas liberais de seus amigos democratas e sobretudo de John Kennedy.
Na entrevista a seguir, ele conclama a Europa e os Estados Unidos a criarem uma ação conjunta contra o desemprego, um dos principais problemas sociais hoje, e afirma que é preciso produzir ajuda maciça à Rússia.

Pergunta - O desemprego é o problema maior de todas as economias desenvolvidas, da França em particular. A impressão é de que se tornou incontrolável.
Resposta - A economia moderna conhece períodos de boa ou má conjuntura, mas, sob pena de não ter perspectivas suficientes, tende sempre a se equilibrar com um desemprego significativo.
Pergunta - Há solução?
Resposta - Há alguns anos, duas grandes tendências vêm se desenvolvendo. As responsabilidades atribuídas aos governos em matérias de performance econômica e de proteção social –incluído o emprego– aumentam. Paralelamente, assiste-se a uma "globalização" da economia mundial. O desenvolvimento do comércio das companhias internacionais, dos transportes, das comunicações, da cultura, aproxima sem cessar os países. Estas duas tendências são muito mais favoráveis; implicam uma aproximação supranacional.
Vejo chegar o momento em que a União Européia se engajará em uma política maciça de sustentação do conjunto dos países-membros enquanto eles sofrem a recessão –e inversamente adotará políticas restritivas se a inflação ameaça. Os países manterão a responsabilidade da proteção social, a comunidade internacional se encarregará da política econômica.
Pergunta - Mas estas proposições não foram aplicadas. Países como a Grã-Bretanha, se opõem a ela...
Resposta - O próprio fato que isto tenha sido proposto é significativo de nova etapa. Um dia os EUA, o Japão, o Canadá, o México lançarão também um esforço conjunto em caso de recessão –recolocar as pessoas no trabalho, desenvolver o setor público– e se entenderão sobre uma política restritiva de combate à inflação. É uma das maiores evoluções a esperar nos próximos anos: menos discussões sobre as trocas comerciais, que são esquecidas no dia seguinte, e muito mais sobre políticas econômicas coordenadas, principalmente no domínio do emprego. Os EUA deverão falar ao Japão sobre meios de combater a recessão, mais que discutir sobre comércio.
Pergunta - Na França, hoje, se opõe o emprego e a manutenção de um salário mínimo, principalmente para os jovens.
Resposta - Por isso os os estudantes estão na rua. Não creio que reduzindo os salário se lutará contra o desemprego. Ao contrário. Se você abaixa o salário, você diminui o poder de compra e então "in fine" você aumenta o desemprego. As pessoas que querem baixar os salários se apoiam sobre uma teoria econômica que floresceu com Ricardo no século 19 e que foi abandonada há muito tempo. Os defensores desta idéia querem economizar dinheiro; o argumento deles é uma vestimenta superficial para a tradicional exploração dos assalariados. Eu mantenho firmemente o salário mínimo. Sem nenhum compromisso possível.
Pergunta - Robert Reich (economista) afirma que a mundialização agrava a sociedade dual e penaliza trabalhadores menos qualificados.
Resposta - Não nego isto. O deslocamento da produção de massa dos países velhos para os novos é uma tendência econômica pesada que se observa há 200 anos. Elas se deslocaram da Inglaterra para a Alemanha e a França, depois da Europa para os Estados Unidos e de lá para o Japão e para os países do Pacífico. É preciso ultrapasssar uma visão monetária do fenômeno. A piedade ou a compreensão não devem se limitar às fronteiras nacionais.
Além disso, assim que as pessoas tem os objetos e o estilo, elas querem distrações. É a etapa seguinte do desenvolvimento. As artes, as atividades culturais, os espetáculos de massa são domínios em que os velhos países também têm vantagem. Ninguém pode rivalizar com os EUA na produção de programas televisivos moralmente depravados. Nós temos ali um monopólio. Mesmo os franceses se queixam... A vida econômica em Paris não depende das velhas indústrias fora de moda, mas das artes superiores.
Pergunta - No entanto, constata-se que atividades como a produção de software se deslocam também, para a Índia, por exemplo...
Resposta - Isso tem a ver com o mesmo processo. Mas a tecnologia de ponta estará sempre nos Estados Unidos, na França, na Grã-Bretanha, e serem sempre dominantes nas artes e cultura.
Pergunta - Depois de dez anos de ultraliberalismo, os economistas voltam a uma análise mais keynesiana.
Resposta - A maior parte dos economistas americanos permaneceram fiéis à análise keynesiana –apoiar a economia em tempo de vacas magras e a frear em tempo de vacas gordas. Mas alguns economistas conseguiram passar para a opinião pública a idéia de que a revolução keynesiana tinha acabado e que era preciso voltar à Idade Média da economia.
Pergunta - Foram os chamados "reaganomics".
Resposta -Sim, mas Ronald Reagan, apesar de seus fracos conhecimentos de economia, foi sem dúvida o mais keynesiano dos presidentes modernos: graças às despesas militares enormes mantidas por um déficit orçamentário Keynesiano, ele sustentou a economia. George Bush, reduzindo as despesas militares e falando em equilibrar o orçamento, conseguiu provocar uma dura recessão.
Pergunta - É esta a única causa da recessão americana?
Resposta - Há dois fatores: primeiro as repercussões da onda especulativa dos anos Reagan, que deixaram um grande número de negócios e empresas esmagadas sob dívidas, e depois a menor progressão do déficit orçamentário.
O fim da Guerra Fria provocou redução de despesas militares. Acrescentemos que a isto George Bush não tinha muitas idéias. Reagan tinha uma visão. Chegou ao poder com dois objetivos: ajudar seus amigos ricos reduzindo os impostos sobre os lucros os mais elevados, e eliminar o comunismo. Durante a era Reagan, tivemos importantes baixas de impostos e aumento das despesas militares.
Pergunta - Tomemos o caso das privatizações. Elas se generalizam no mundo e continuam...
Resposta - As privatizações não podem ser tratas de modo teórico e geral. Há domínios em que o setor público é essencial, outros em que nada substitui o mercado. Quando se trata de produzir bens de consumo ou de gerar serviços como restaurantes, hotéis etc, ninguém pensa no socialismo. Mas quando se fala de estradas de ferro, escolas, alojamento social, não há alternativa à propriedade pública.
As pessoas que querem privatizar tudo caem no mesmo erro que os socialistas de antigamente: pensar que há uma regra geral. É uma questão de senso prático. A desregulamentação, como a regulação, não é um fim em si. As pessoas que fazem da desregulamentação uma doutrina são guiados por fórmulas ou por seus próprios interesses, mais que pelos fatos.
Pergunta - Não se está correndo o risco de cometer os mesmos erros nos países do Leste?
Resposta - A situação de Leste me inquieta. É muito mais preocupante que os problemas dos países ricos. O desespero econômico pode engendrar o caos político. A transição do deve ser mais gradual.
Os chineses, procedendo gradualmente, estão se dando melhor que os russos com sua "terapia de choque". Os russos foram mal aconselhados por experts americanos, que têm uma visão do capitalismo puro e simples que nós não aceitamos, mesmo no Ocidente.
Pergunta - Que se pode fazer?
Resposta - Aceitar um processo mais gradual. É preciso proteger os desempregados e aumentar maciçamente a ajuda econômica ao Leste. Nos EUA se continua a gastar muito em defesa, seria preciso gastar muito mais para ajudar os russos a operar uma transição mais suave. Mas muito mal já foi feito.

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