São Paulo, domingo, 21 de agosto de 1994
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O mito do terrorista tem origem no covarde

FREDERICK FORSYTH

Na agitação que cercou sua captura, eu talvez pareça ser uma das poucas pessoas que não se deixaram impressionar pelo terrorista apelidado de "O Chacal". Existem outras, especialmente as que possuem anos de experiência nos serviços de inteligência e que combateram o terrorismo global em prol de todos. Elas e eu temos nossos motivos, bons motivos.
Falemos primeiro do apelido. Nascido Ilich Ramírez Sánchez, ele escondeu-se sob o nome de Carlos Martínez Torres em Londres e Paris, entre 1973 e 1975. Veio daí o "Carlos" de documentos falsos.
Depois de julho de 1975, quando emergiu do desconhecimento após um tiroteio num apartamento parisiense, algum editor-assistente em busca de uma manchete chamativa o apelidou de Chacal, devido ao personagem principal de "O Dia do Chacal".
O nome colou e com sua reutilização constante em todos os artigos subsequentes escritos sobre o homem, ele se tornou sujeito de um mito. Mas é aí que está o problema. A maior parte do que se escreveu sobre ele –muitas vezes com sua própria conivência, porque o homem adora publicidade– é mito.
O personagem fictício de quem ele tirou seu apelido tentou assassinar o presidente da França, Charles de Gaulle. Se ele ou qualquer outro tivesse conseguido fazê-lo naquela época, início dos anos 60, teria mudado a história, certamente de uma nação, possivelmente de um continente e talvez do mundo.
Já houve na história combatentes clandestinos –para seus inimigos, terroristas– que fizeram exatamente isso. Mas não Carlos. Se na condição de marxista-leninista ele lutou pelo comunismo, a causa fracassou redondamente. Está virtualmente extinta enquanto credo filosófico e político.
Se ele lutou por uma nação-Estado livre para os palestinos, ela parece estar surgindo via negociações, conceito este que é a própria antítese de tudo que ele representou. Se ele lutou para destruir Israel, ela está tão forte hoje quanto jamais esteve. E se ele matou pelo proletariado, foi totalmente repudiado. Ele é um fracasso, rejeitado em todos os quesitos importantes.
Mesmo no Oriente Médio, seu segundo lar por opção, os especialistas qualificam figuras obscuras como Wadi Haddad, Ahmed Jibril, Abu Nidal e o "Príncipe Vermelho" Ali Hassan Salameh, já morto, como muito mais perigosos do que ele.
A carreira de Carlos, com uma única exceção, é uma litania de ataques covardes a alvos extremamente vulneráveis. Em 1973, em Londres, quando era um bandido jovem com altas pretensões, ele explodiu a tiros o queixo de um velho desarmado, Edward Sieff, na casa deste em St. John's Wood.
Qual era o crime de Sieff? Ser presidente da Marks & Spencer e judeu. Carlos não fez jus a muitas medalhas por isso. Cerca de 18 meses mais tarde, nomeado chefe do grupo terrorista da Frente Popular pela Libertação da Palestina, em Paris, ele tentou derrubar com uma bazuca um jato israelense em Orly e errou –duas vezes.
Visitado por três agentes franceses da contra-inteligência que tinham sido informados de sua localização, ele saiu do banheiro armado –os agentes não haviam empunhado suas próprias armas, mostrando que a indicação recebida não fora muito precisa– e abriu fogo, matando dois, ferindo o terceiro e, para não deixar o serviço pela metade, "apagando" aquele que o delatara.
Ironicamente, é por causa desta ação que, na realidade, ele se encontra hoje numa cela de prisão parisiense. Pois a polícia francesa, como todas as outras, odeia assassinos de policiais e jurou prendê-lo algum dia. De volta ao Oriente Médio, com a ajuda da embaixada cubana, Carlos transformou-se numa esdrúxula "estrela" da mídia européia ocidental.
Passou 15 anos atacando alvos fáceis –pessoas inocentes em cafés, trens, estações ferroviárias e aeroportos; homens, mulheres e crianças que nada tinham a ver com a Palestina ou o Oriente Médio.
Pelo que sei, ele nunca enfrentou soldados ou policiais armados, nem tentou atacar Israel ou enfrentou um homem com uma arma em punho. Ele era um assassino que atirava em suas vítimas pelas costas e colocava bombas sorrateiramente.
Seu único golpe importante, o sequestro de 11 ministros petrolíferos da Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) em Viena, em 1975, e o posterior traslado deles até Argel num avião providenciado, não deveria haver dado certo.
O fato de que deu certo se deve inteiramente à covardia do governo austríaco, liderado por Bruno Kreisky, um dos maiores conciliadores dos anos 70. Mas se o tiroteio em Paris fez manchetes, o caso de Viena botou fogo no mito, que não parou mais de crescer.
Assim, o que tem esse homenzinho venezuelano extremamente brutal e essencialmente malsucedido que tanto fascina o Ocidente? Acredito que existem três fatores, todos eles falhos.
Em primeiro lugar, ele sempre gozou de publicidade, e a publicidade é uma dama inconstante. Ela gosta de ser lisonjeada. Carlos a lisonjeava com arrogância e atitudes bombásticas, cujas recompensas apareciam sob a forma de centimetragem nas colunas da imprensa.
Enquanto outros líderes terroristas se mantinham na sombra, Carlos emitia pronunciamentos e escrevia cartas. Não fosse a sorte, essa fanfarronice teria levado a sua captura anos atrás.
Em segundo lugar, ele tinha fama –assiduamente alimentada– de ser mulherengo. Na condição de terrorista proeminente ele, sem dúvida, tinha a seu fácil dispor a claque habitual de mulheres superexcitadas e sexualmente disponíveis que rejeitavam a classe média de onde provinham. Mas muitas de suas conquistas foram garçonetes estrangeiras e solitárias –mais uma vez, alvos fáceis.
Em terceiro lugar –e nisto é preciso lhe dar crédito–, ele era um camaleão humano, deslocando-se pela Europa inúmeras vezes sem ser identificado. É claro que seus documentos não eram falsificações no sentido normal do termo, mas "falsos" documentos válidos emitidos por governos amigos. Mas no fundo Carlos não passava de um psicopata homicida. Ele matava porque isso lhe dava prazer, e quanto mais impotente a vítima, melhor. Se lhe era dado escolher, preferia atirar num homem à queima-roupa, entre os olhos, três vezes.
Os franceses já negociaram com terroristas no passado, mas desta vez acho que não o farão. Será sua vida atrás das grades em nome daquelas 83 vítimas desarmadas, e isso não poderia acontecer a um homem que o merece mais.
Tradução de Clara Allain

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