São Paulo, domingo, 21 de agosto de 1994
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O Barcelos da Vila Valqueire

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Certa vez, respondendo a uma enquete de estudantes, enfrentei pergunta embaraçosa: teria eu um vício inconfessável? Evidente que tenho, e vários. Com o tempo, alguns deles mudaram de categoria e passaram a ser confessáveis. Um deles continuou inconfessável até ontem.
De repente, achei que deveria assumir a grave lacuna de gosto e caráter, proclamando o que sempre escondi por vergonha ou conveniência. Adoro ver esses cidadãos com a obrigação de reduzir toda uma biografia e todo um programa de ação em dez segundos de TV –coisas que um inglês não conseguiria fazer em toda uma vida.
A mídia mete o malho nesses candidatos, a maior parte dos aparelhos é desligada nessa hora. Os que resistem ao programa aproveitam o pretexto para melhor avaliar o quanto se degradou a vida pública etc. etc.
Passo meus melhores momentos de telespectador vendo o Lusitano que ameaça construir uma rodovia ligando não sei o quê a Cacheira de Macacu –local que não sei exatamente onde fica, nem por isso deixo de torcer para que o bravo município tenha melhor acesso à civilização do noroeste fluminense.
A maioria dos candidatos tem bigode de vários tamanhos e feitios. Os que exercem algum mandato adquirem layout mais atual. Já os eternos desconhecidos fazem questão de aparecer com o bigode severamente aparado, com exceção da turma do PT, que além do bigode exibe a tumultuada barba de praxe.
O Enéas seria excelente candidato a deputado estadual por Paracambi ou Cambuci, levando muita confusão às hostes ideológicas do eleitorado.
O diabo é que me reconheço nesses cidadãos que não sabem o que fazer nem com as mãos nem com as idéias, que tropeçam nas palavras, respiram mal e pensam pior os chamados problemas da comunidade.
Eles estão de acordo em que todos os políticos são safados, incompetentes e corruptos, que a Idade de Ouro será agora, a partir deles. Gosto principalmente daqueles que começam: "Vocês já me conhecem, sou o Barcelos da Vila Valqueire, meu compromisso é com o povo". Nunca pensei em me candidatar a nada, mas me imagino com as mãos presas na mesa, preocupado em não trocar palavras, em não dizer besteira. Ora, direis, que diferença faria entre dizer ou escrever besteira? Boa pergunta.

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