São Paulo, domingo, 21 de agosto de 1994![]() |
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Em nome da ética
HERBERT DE SOUZA Em nome da Ação da Cidadania contra a Miséria e Pela Vida, falo amanhã, dia 22, no plenário da ONU (Organização das Nações Unidas), durante a Segunda Reunião Preparatória da Conferência de Cúpula das Nações Unidas para o Desenvolvimento Social.É em nome da Ação da Cidadania que este discurso vai partir da ética. Foi este o ponto de partida da Ação da Cidadania. É ético aceitar a fome, a miséria e o desemprego? Foi para encontrar estas respostas que nasceu este movimento. Da constatação de que democracia e miséria são incompatíveis. Da constatação de que a fome e a miséria não são desgraças naturais com as quais a humanidade está condenada a conviver, acatar, aceitar. A miséria e a fome que atingem hoje a população de todos os países são consequência de uma lógica econômica que não incorpora o humano. Uma lógica que só privilegiou, até hoje, o econômico. E que fracassou. É a partir do olhar ético que o mundo precisa encarar os desafios que o desenvolvimento social nos impõe. É sob o ponto de vista ético que temos que olhar para a integração social, para o combate à pobreza, para a geração de emprego, que são os três temas desta conferência. Que valores queremos num mundo que exclui, deixa com fome e divide cidadãos e cidadãs entre os que comem e os que não comem? Eu tenho um credo. Acredito na democracia. Acredito na democracia como o único instrumento capaz de atender as questões da integração social, do combate à pobreza e da geração de emprego. A democracia é um valor ético, um conjunto de princípios éticos que precisam ser perseguidos todo o tempo. O primeiro princípio é o da igualdade. Como este mundo é desigual! Os países são desiguais. Uns extremamente ricos, outros na indigência. Mas quem condena a igualdade? Este é o grande desafio do mundo moderno. Como fazer um mundo para toda a humanidade? O segundo princípio é o da diversidade. Nós queremos a igualdade, mas queremos também respeitar as diferenças. Igualdade e diferença podem vir juntas, porque toda a igualdade que elimina a diferença acaba com a igualdade. Mas nós queremos também que isso seja construído através da participação, que é o terceiro princípio da democracia. Eu não quero receber de graça, nem como dádiva, nem a minha liberdade, nem a minha igualdade. Eu quero que isso seja construído com a minha participação. Democracia é a participação diária. Todos esses valores devem ser perpassados pelo sentimento de solidariedade. Nós queremos resgatar a emoção de ser solidário. Democracia também se faz com solidariedade. Finalmente, a palavra que sempre inspirou os grandes movimentos que é a liberdade. Não quero também que ninguém outorgue a minha liberdade. Quero conquistar a minha liberdade através da participação. Todo homem e toda mulher precisa ser livre. Quantos são hoje realmente os cidadãos e cidadãs livres neste mundo? Somos poucos. Esses cinco princípios juntos constituem a definição de tudo que nós todos devemos querer para a humanidade inteira. Como colocar os valores da democracia como bússola de todas as ações, como inspiração de uma nova estratégia mundial? Esta é a principal questão que a Conferência de Cúpula das Nações Unidas para o Desenvolvimento Social está desafiada a responder. É preciso abrir caminho para a construção de uma nova era, onde o desafio é colocar toda a humanidade no centro de sua própria obra para erradicar a pobreza e a miséria como prioridade absoluta da humanidade. A mudança começa por não aceitar o que é tido como inevitável. A miséria não é inevitável, a pobreza não é inevitável, a exclusão social não é inevitável. Existem hoje cerca de 3 milhões de pessoas que participam da Ação da Cidadania contra a Miséria e pela Vida. O Estado tem um papel a cumprir, o mercado tem um papel a cumprir, mas há um ator novo, com a força da mudança, da novidade. Cidadãos e cidadãs brasileiras nos comprovam esta força. A força de trocar indiferença por solidariedade. A democracia só existe com cinco princípios. O desenvolvimento humano só existirá se a sociedade civil afirmar cinco pontos fundamentais. Cada sociedade deve ser livre para resolver seus problemas, mas nenhuma delas tem o direito de matar partes de seu próprio povo. O genocídio não pode ser tolerado. A humanidade deve intervir para salvar o humano que exista em qualquer parte. O humano é soberano sobre o Estado. É imperativo que a ética predomine sobre a política e que a política predomine sobre a economia. Todos os seres humanos têm direitos iguais. Toda pobreza é inaceitável. Toda miséria é intolerável. É imperativo que a luta contra a fome e a miséria no mundo seja prioridade absoluta. A sociedade moderna dissociou a produção do emprego. Isso só faz aprofundar o abismo entre os integrados e os marginalizados. É imperativo encontrar o caminho do emprego. Sem emprego, não haverá humanidade para todos. A tecnologia não pode se transformar na racionalidade do novo apartheid mundial. O desenvolvimento é humano, é de todos ou não existe. É imperativo dar ao desenvolvimento esta dimensão universal. É imperativo democratizar as instituições internacionais, o sistema Bretton Woods e rejeitar o ajuste estrutural com face humana como forma de combater a fome e a miséria. É por tudo isso e de não menos do que isso que a humanidade não pode mais esperar. Próximo Texto: Uma transição articulada Índice |
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