São Paulo, domingo, 21 de agosto de 1994
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O efeito cabeça

Acho que verdade é o artista conseguir sobreviver distante dessa grande mídia. Eu não vou rebolar feito uma lagartixa para conseguir algum retorno. Existem pessoas que fazem muito bem a coisa descartável. De repente o cara faz lá "Pensa em mim/ Olha pra mim/ Não olha pra ele/ Oh". Eu acho superlegal isso. Mas tenho dificuldade pra fazer. Sempre fiz um trabalho para quem entende. Se tivesse outra trajetória, se não tivesse feito "Cabeça" ou "Ou Não", que influenciaram criadores geniais como Caetano Veloso, seria fácil fazer um disco de xaxado.
–Do que você tem vivido?
–Tive que buscar alternativas dentro do que eu gosto de fazer, que é a invenção, o slogan, o achado poético, essa coisa toda. Então eu faço jingles. Tem um que fiz para o Itaú, em homenagem a São Paulo, que diz "Sim a cidade é/ Vem a cidade tem/ Toma a cidade dá/ Faz a cidade bem/ Ama a cidade mais/ Nega a cidade não/ Leva a cidade traz/ Paz ao seu coração". A produtora fez um arranjo rococó, mas a idéia básica é bonita.
–Você continuou compondo nesse período. Qual é o ônus artístico de ficar desaparecido, sem gravar?
–Não vejo muito outro objetivo a não ser passar adiante as coisas que a gente descobre. Se não, pra que descobrir? Tenho temas que, com recursos, virariam um mar, uma beleza. Tem um que fiz para a Secretaria do Meio Ambiente, é só uma célula, assim: "É a natureza criando/é a natureza a criar". Isso com coral, orquestra, cellos, violinos, vai longe. Mas fica tudo mais na cabeça, né? Nos shows, eu apresento a minha banda abstrata. Dependo um pouco da imaginação do público.
–Você deve voltar a gravar em setembro. Que disco faria?
–Um disco que supere os anteriores. Eu acho que evoluí. Minha poesia está seguindo viagem. Sou um artista com fôlego pra sobreviver aí junto à meninada. Não sou só cabeça, não. Tenho uma balada meio Stones, "Quem Puxa aos Seus não Degenera", que arrepia. Se jogar no rádio, ela pega.
–Você acha que há sede de poesia?
–Nossa! Eu tenho tido experiênciais fantásticas com a coisa do meu trabalho. Há uns cinco anos, um rapaz me abordou numa lanchonete e me disse que eu tinha salvado a vida dele. Ele estava a fim de acabar com tudo, de se suicidar, essa coisa toda, se despediu das pessoas e pôs o meu disco "Respire Fundo". Quando caiu no tema "Coração Tranquilo", com aquela repetição mântrica do "tudo é uma questão de manter/ a mente quieta/ a espinha ereta/ e o coração tranquilo", ele foi voltando, voltando, voltou, e quando terminou a música ele tinha desistido. Então, você percebe a responsabilidade da coisa? A grandeza?
–Seus discos "Ou Não" e "Revolver" estão sendo relançados em CD. O momento é oportuno?
–Acho que é. Um resgate envolve sempre o se trazer de volta toda uma história que de repente não foi sequer muito bem assimilada. A gente está assistindo resgates. Jorge Ben, Tom Zé. Quem sabe não significa um "revolver" dessa coisa toda?

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