São Paulo, domingo, 21 de agosto de 1994
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O efeito cabeça

MARIA ESTER MARTINHO

O inventor das canções-mantra que influenciaram de Caetano Veloso a Arnaldo Antunes vive de jingles e ouve das gravadoras que não é comercial. Agora, seu LP "Revolver" ressurge em CD e ele negocia a gravação de um novo disco. Aos 49 anos, o precursor do zen pop garante: não é só cabeça, não
–Você gravou cinco discos, era cultuado pela crítica, tocava no rádio. Por que se interrompeu seu trajeto na mídia?
–Pertenço a uma geração de briga, houve um interesse grande das gravadoras pela gente: eu, João Bosco, Fagner, Melodia... Mas houve uma transformação no mercado. Meus três primeiros discos, "Cabeça", "Revolver" e "Ou Não" eram uma coisa radical. Foram feitos com grandes músicos e com uma profunda liberdade criativa. "Respire Fundo" já teve que ser mais aberto, pra tocar no rádio, "Vela Aberta" também. No momento em que passei a conceder, fui perdendo o estímulo. Então parei. Tinha mesmo que reciclar, afinar meu instrumento. Só que nessa parada o tempo passou um pouco mais rápido do que eu imaginava. Continuei fazendo shows aqui e ali, sempre com casas cheias, com público de duas gerações, uma meninada que sabe tudo de cor e uma geração mais velha que a minha até.
–Por que você deixou de interessar às gravadoras?
–É a coisa da censura estética, né? Pertenço a uma geração que foge do lugar-comum como o diabo da cruz. Hoje, quanto maior o lugar-comum, mais comercial. Hoje você tem que ser objetivo, falar de amor... Sempre que faço contato com as gravadoras ouço essa coisa de que meu trabalho não é comercial.
–Por que censura estética?
–Acho que o cara que faz isso está exercendo uma autoridade que não lhe compete, em termos estéticos. Haveria espaço para tudo. Os grandes artistas, responsáveis pelos rumos da linguagem, nunca foram grandes vendedores de discos. Mas sempre tiveram acesso aos responsáveis pela veiculação de cultura no país. Hoje, o máximo que acontece são individualidades que conseguem furar o bloqueio da mídia com uma canção. Mas não há continuidade. Não existe neste país uma preocupação com a trajetória individual de cada artista. Acho que eles vêem o artista como um cara que só pode trabalhar até uma determinada idade. De repente, a gente é impossibilitado de exercer nossa profissão. Fui tachado de maldito, como o Macalé e tantos outros. Eu sempre digo, maldito é Baudelaire. Eu me esforço.
–Por que acontece isso?
–Não é uma coisa pessoal. É uma coisa do país. É a coisa da ausência de interesse cultural. O interesse cultural começa com o resgate da linguagem, da preocupação literária. A língua portuguesa é fantástica, tem tudo nela, a percussão, a dinâmica, os sentidos vibratórios. Mas a ousadia foi posta de lado, fica essa coisa sem memória, sem opções. É uma coisa que provoca o desinteresse, a descrença. Eu vejo meus filhos, de 11, 12 anos. Eles acham meio ridículo o que vêem por aí. E é muito chato você se sentir vivendo num país meio ridículo, assim, na área cultural. Há 20 anos que me acham "muito louco". Imagina. É uma cultura que não evolui, né? Uma cultura que não analisa a si própria de uma maneira não-estática.
–Quanto você se dispôs a conceder para gravar?
–Veja, eu sou de uma geração de artistas que ganhavam cachê para ir ao "Fantástico". Hoje, o artista corre atrás do sucesso, de uma música que toque no rádio, que faça ele vender shows, essa coisa toda. Eu não vejo isso como verdade. Eu tenho uma descrença grande em relação a essa festa que se cria em torno de um determinado evento, e que não é verdade.

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