São Paulo, quarta-feira, 24 de agosto de 1994
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Os reflexos dos vales-refeição na economia

PERCIVAL MARICATO

Após a introdução da URV e do real, as empresas emitentes de tíquetes ou vales-refeição vêm impondo a dezenas de milhares de restaurantes populares alterações unilaterais de contratos que aumentaram as "taxas administrativas" de um patamar de 3% ou 4% para 6%, 8% ou até de 10%, multiplicando astronomicamente os efeitos deletérios que causavam na economia.
Juntas, as 89 empresas que imprimem os vales e tíquetes no Brasil colocam para circular mensalmente o equivalente em moeda a mais de US$ 500 milhões sem nenhum controle do Banco Central.
Com isso, geram inevitáveis reflexos na inflação, com o agravamento inclusive de esses vales ou tíquetes serem usados realmente como moeda, servindo para compras em supermercados, feiras, bares, açougues etc.
Com a cobrança de "taxas administrativas" extorsivas que vêm fazendo dos proprietários de restaurantes populares, estas empresas obtêm lucros monumentais, enquanto aqueles, para sobreviver, jogam tais custos sobre o preço de seus pratos, encarecendo-os.
Também deste ponto de vista, tais empresas geram inflação e inibem os objetivos do PAT (Plano de Alimentação do Trabalhador), pois os custos mais altos do prato recaem sobre o trabalhador, que acaba por comer cada vez menos devido à insuficiência de tíquetes. Os comerciantes tentam sobreviver aumentando seus preços, mas os trabalhadores não têm como se defender.
Para que as empresas brasileiras fossem estimuladas a participar do PAT, o governo federal previa que os gastos com o mesmo fossem jogados na contabilidade como despesas e descontados do Imposto de Renda a pagar em até 5% do total.
Com a isenção, o governo deixa de arrecadar e torna mais precário seu fluxo de caixa e equilíbrio fiscal. Isto é, por sua vez, mais um elemento inflacionário.
Até 1986, as empresas de tíquetes ficavam satisfeitas com o lucro financeiro. Com o Plano Cruzado e o aceno do fim da inflação, reivindicaram e obtiveram uma taxa administrativa de 3% sobre o valor movimentado, o que seria suficiente para remunerá-las. Voltou a inflação com muito mais violência e elas jamais renunciaram à taxa.
Agora, com novo aceno do fim da inflação insistem que os mesmos 3% não são suficientes para mantê-las.
Outra comparação pode demonstrar a extrema avidez dessas empresas. Os cartões de crédito que operam de forma em grande parte semelhante à das empresas de tíquetes, até agora não reivindicaram aumentar suas taxas administrativas com a entrada do real.
Por fim, é um acinte que a emissão de vales-refeição e tíquetes persista em afrontar a letra do artigo 292 do Código Penal, que diz:
"Emitir, sem permissão legal, nota, bilhete, ficha, vale ou título que tenha promessa de pagamento em dinheiro ao portador ou a que indicação do nome da pessoa a quem deva ser pago;
Pena – detenção de um a seis meses, ou multa.
Parágrafo único - quem recebe ou utiliza como dinheiro qualquer dos documentos referidos neste artigo, incorre na pena de detenção, de quinze dias a três meses, ou multa."
Cabe ao governo federal, portanto, deixar de se omitir, fazer cumprir a lei, recuperar os objetivos do PAT e contribuir para a redução da inflação baixando em até 10% o preço das refeições populares. Isto pode ser conseguido eliminando-se os atravessadores, resultado que poderia ser obtido com a simples venda de vales-refeição pelas agências de Correios, como se fossem selos.

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