São Paulo, quarta-feira, 24 de agosto de 1994
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A ética das corporações

LUÍS NASSIF

Uma das marcas registradas do corporativismo é a incapacidade de enxergar além da própria corporação. O caso do Estatuto do Advogado é exemplar. As críticas contra o estatuto são interpretadas como atentados a direitos líquidos e certos da classe, mesmo que os privilégios firam direitos líquidos e certos de outras classes –como o dos usuários dos serviços gratuitos do Tribunal de Pequenas Causas, por exemplo.
Numa esperteza típica dos grupos que ascenderam ao cenário político nos anos 80, os burocratas da OAB brandem duas ou três bandeiras da cidadania como retórica para impingir goela abaixo do cidadão o corporativismo mais rasteiro. Como este argumento de que a obrigatoriedade da presença do advogado no Tribunal de Pequenas Causas –que vai inviabilizar o órgão, como único instrumento de defesa do pequeno– visa aparelhar os cidadãos contra os grandes interesses econômicos.
Recentemente, o colunista foi convidado para um almoço onde o candidato de José Roberto Batochio (presidente nacional da OAB) à presidência da OAB-SP pretendia expor seus argumentos em defesa do estatuto.
A conversa foi um horror, um monumento ao corporativismo mais retrógrado, com argumentos do tipo: "Se os juízes ganham com o Tribunal de Pequenas Causas, por que os advogados não podem ganhar também?"
Outro ponto polêmico do estatuto é facultar ao advogado o direito de falar após a sentença proferida, inclusive podendo fazer qualquer acusação ao juiz, tendo a garantia da imunidade.
Ninguém de bom senso nega a urgência de se discutir a sério a questão do controle administrativo do Judiciário. Mas será esta a saída? Haverá discernimento dos advogados para exercer com parcimônia esse direito de matar reputações?
Sensacionalismo
A resposta está no comportamento daquele que é a atual cara da OAB –o presidente Batochio.
Recentemente, no programa "Entrevista Coletiva", Batochio fez tais insinuações contra a honra do candidato à presidente Espiridão Amin, que o obrigou a um desafio: "Se tiver uma acusação, que senhor faça diretamente. O que não pode é fazer insinuações desse tipo".
Na semana passada, os leitores da Folha puderam testemunhar outras cenas de leviandade explícita, na acusação de que o colunista estaria servindo a interesses poderosos, pelo fato de criticar o estatuto. Qual a evidência apresentada? O colunista faz palestras para empresas –como faz para sindicatos e faculdades.
Critica-se a imprensa –muitas vezes com justiça– por render-se a um sensacionalismo irresponsável, avançando em acusações infundadas contra terceiros.
No caso da OAB, o órgão que se pretende de defesa dos direitos humanos, a leviandade é praticada por seu próprio presidente nacional. É evidente que não se pode julgar toda uma corporação pelo comportamento de um de seus membros. Mas, no caso, o membro é o próprio presidente.
O país é outro, a opinião pública é outra. Benefícios corporativistas que colidam com os interesses gerais da cidadania condenam seus beneficiários ao fogo da execração pública.
A OAB está num jogo perigoso, sacando a descoberto em cima do patrimônio de credibilidade acumulado nos tempos do ex-presidente Raymundo Faoro. Se não mudar a tempo, não haverá campanhas tipo "pela ética na política" que lhe permitam contornar esse acerto de contas com a opinião pública.
Está na hora de os advogados pararem de contemplar o próprio umbigo e se darem conta do desastre que esse corporativismo cego está trazendo para a imagem da categoria como um todo.

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