São Paulo, quarta-feira, 24 de agosto de 1994 |
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À opinião pública
ROBERTO ROMANO Os brasileiros conhecem nosso Legislativo. De humildes cidadãos a eminentes autoridades do Judiciário e representantes da sociedade civil, todos criticam aquele Poder. Escândalos como o do Orçamento e o abandono da revisão constitucional, a impunidade de parlamentares corrompidos, os plenários esvaziados estrategicamente, tudo isso suportamos dos pretensos representantes, com amostras de escasso decoro na fala e nos atos.Um senador assim agrediu o deputado Luiz Salomão, do PDT carioca: "Dou-te um tiro no traseiro" (uso o eufemismo por respeito às pessoas decentes; foi outra a palavra usada pelo poderoso acostumado ao cangaço). A tribuna da Câmara apresenta discursos de baixo calibre sem que ninguém os coíba. Em Tendências/Debates (22/08), certo deputado federal publicou um texto apropriado ao procedimento desta Legislatura. Imaginando-se na tribuna, ele expeliu o que lhe vai na alma . Intitulando-se "humilde professor" sem reconhecimento de sua categoria profissional, o parlamentar sentiu-se agredido pelo apoio à minha pessoa. Alguém ponderado buscaria as causas dessa unânime solidariedade. Não sou político como ele, não pertenço a nenhum partido, não ocupo cargos de mando, nada tenho para oferecer em troca de apoios ao meu nome. Sem executar a dança onde se define o "do ut des", resta-me a autoridade acadêmica, que nenhum político obscuro pode retirar de mim. "Covarde", "torpe", "despreparado intelectualmente", "mentiroso", "pretenso filósofo", "mau-caráter" etc. Estes termos garantem ao articulista um processo por injúria e difamação. Grave é a insinuação sobre o processo que sofri, durante a ditadura, na Justiça Militar. Os seus informantes não lhe disseram: fui absolvido por inexistência de crime, após passar um ano preso, testemunhando atrocidades cometidas contra corpos e almas inocentes, em nome da luta contra o terrorismo. A tortura não suscita risos em gente digna, nem insinuações baixas, sem provas. Se o deputado julga normal e risível aquela prática hedionda, o que fazia contra ela durante o regime autoritário? Suas grosserias revelam muito. Admitindo a tortura como fato corriqueiro, ele exibe espírito lastimável. Mesmo criminosos têm direito à integridade física e anímica, para que possam responder em sã consciência pelos seus erros. Mas nada consta, em meu currículo, contra a correção dos meus atos, salvo ter recusado práticas covardes, como a tortura, e ter mantido a coerência durante os governos civis, corroídos pelo fisiologismo dos que lucraram com o regime de exceção. Por isso ocorre a inexplicável, para o defensor de Alves, solidariedade a um docente que lutou e luta pelos direitos humanos. Os professores universitários, como a maioria do povo brasileiro, conhecem bem a Legislatura federal. E dela se envergonham. O excelente trabalho jornalístico, reconhecido no artigo em prol de Alves, valeu ao seu autor, na tribuna da Câmara, epítetos como "canalha". Palavrões surgem facilmente na boca dos imunes e impunes, como prova o artigo em defesa de Cardoso Alves. Foi contra isso que me insurgi, criticando o discurso daquele deputado. A denúncia da promotoria excluiu a imputação de calúnia, porque nada foi inventado por mim. Considero blasfemo o uso de Francisco de Assis para designar negociações políticas. Honra-me o pronunciamento de um procurador do Tribunal de Alçada, em São Paulo, o qual afirmou, em plenário, que assinaria meu artigo, por não ver nele crime algum. Honra-me o artigo de um homem probo, como o professor Dalmo Dallari, cujo saber e prudência são reconhecidos pela cidadania. Agi publicamente assinando as minhas opiniões. Existe covardia quando as forças são desiguais. Como os 140 milhões de brasileiros que pagam impostos e recebem insultos da corporação política, não me cubro com nenhuma imunidade nem possuo foro especial. Caso o articulista queira demonstrar o que escreveu, recuse estes privilégios, respondendo em juízo pelas calúnias por ele produzidas. Basta que ele oficie à Câmara abrindo mão da imunidade, ideada para proteger parlamentares do arbítrio, não para que eles tentem, impunemente, enlamear pessoas retas. A Justiça possui prova suficiente no destampatório publicado: nele, as palavras não são ponderadas, elas mostram uma consciência turva, inapta para representar o digno povo brasileiro. Aguardo serenamente esta sua prova de real coragem. Tudo o mais evidencia o nível, digno de Incitatus, que impera entre políticos cuja especialidade é esgotar a paciência de quem lhes paga para outros fins, mais elevados. Próximo Texto: Educação - menos discurso e mais investimento Índice |
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