São Paulo, quarta-feira, 24 de agosto de 1994
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Educação - menos discurso e mais investimento

ROBERTO FELÍCIO

Educação –menos discurso e mais investimento
Em artigo publicado por este jornal, em 13/06/94, Gary Becker, prêmio Nobel de Economia, alertou que, se o Brasil quer ocupar papel de destaque entre as nações desenvolvidas, terá de se preocupar intensamente com gastos em educação, deixando de negligenciar os segmentos mais pobres da população.
Este comentário vem juntar-se a tantos outros sinais de alarme acionados pela situação da escola pública em nosso país. Estudos do Unicef (Fundo das Nações Unidas pela Infância) publicados também pela Folha em 31/07, jogam na cara dos brasileiros que nossa educação básica é a pior do mundo.
O ensino público chegou ao estado atual como resultado de uma política deliberada de nossos governantes. Não é fruto do acaso, portanto. Os números comprovam isso.
Todos os países que alcançaram um bom nível de desenvolvimento econômico e social investiram fortemente em educação, aproximadamente 9% do PIB (Produto Interno Bruto), inclusive, países ainda considerados do Terceiro Mundo.
No Brasil, estamos nos parcos 3,8% do PIB e São Paulo, o Estado mais desenvolvido da Federação, aplica apenas 2% do PIB no setor.
Desconsiderando esses dados, temos observado que diversos setores da sociedade têm alardeado a exaustão do Estado e sua incapacidade financeira para melhorar a educação e sugerem como solução que as comunidades assumam o gerenciamento das escolas.
Trata-se de mais uma forma de tentar desresponsabilizar o Estado pela educação e jogar sobre a sociedade, que já paga muitos impostos, esta tarefa.
Para o cidadão mais atento e interessado na educação do nosso Estado, um estudo mais cuidadoso do Balanço Geral do Estado, publicado pelo "Diário Oficial do Estado de São Paulo", poderá desnudar a farsa da incapacidade do Estado em gerenciar a educação pública paulista.
Neste estudo, fica claro que o que existe é uma política deliberada de abandono da escola pública em nosso Estado.
No ano passado, o governo gastou cerca de US$ 200 milhões a menos do que o previsto no Orçamento com a folha de pagamento da Secretaria de Educação.
Em compensação, gastou US$ 1,355 bilhão a mais do que o orçado com a Secretaria dos Transportes; US$ 1,906 bilhão a mais com o Judiciário; US$ 941,5 milhões a mais com a Secretaria de Energia e Recursos Minerais e, ainda, US$ 925,8 milhões, também a mais, com a Segurança Pública.
Só faltou dinheiro para a escola pública e para a saúde. O que o governo gastou a mais com o item transporte (18,1%) daria para pagar os professores durante todo o ano (17,94%).
Este ano a situação não mudou. O governo já deve à educação o equivalente a US$ 218 milhões, referentes ao descumprimento de seu próprio Orçamento, que previa um gasto de 23,06% da arrecadação do ICMS com a folha de pagamento da Secretaria da Educação.
Até agora, o governo só gastou 18,38%. Como a folha é da ordem de US$ 100 milhões, isto significa que o governo poderia ter pago dois salários a mais para todos os professores.
Quando se compara a evolução da arrecadação de tributos no Estado de São Paulo com a sua aplicação, constata-se que toda vez que há a ampliação de recursos por aumento da arrecadação –no caso é a arrecadação do ICMS– a providência do Estado é diminuir a fatia que vai para a educação.
No primeiro semestre deste ano, o Estado aplicou algo em torno de 17% da arrecadação do ICMS com a folha de pagamento da Secretaria da Educação. Em época recente, em 1990, quando se arrecadava quase o dobro em termos reais, essa fatia caiu para 11%.
No Orçamento do ano que vem, está prevista a aplicação de 34% do ICMS com educação de 1º e 2º graus, sendo 25% para pagamento de pessoal. O governo precisa, no mínimo, cumprir o que diz a lei. Coisa que ele não vem fazendo este ano.
Qualquer discussão séria para o equacionamento da questão da educação em nosso Estado não pode deixar de enfrentar estes dados. Nossos governantes deveriam assumir o compromisso político de fixar de uma vez qual fatia do bolo vai para a educação.
Se a sociedade pudesse interferir no Orçamento, ela certamente apontaria a educação e a saúde como prioridades, como de fato já o fez em várias pesquisas publicadas. O que não aceitamos é o repetido argumento de que não há dinheiro. Ele existe. Mas educação e saúde não são prioridades dos nossos governantes hoje. Será no futuro?
Preocupada com a escola pública, a Apeoesp está convidando os candidatos ao governo do Estado para um debate sobre o futuro da escola pública em nosso Estado, a ser realizado em seu congresso, na cidade de Araçatuba, de 25 a 27 de agosto próximos.

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