São Paulo, quinta-feira, 25 de agosto de 1994
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V.S. Naipaul foge do clichê colonialista

MARIA ERCILIA
EDITORA-ADJUNTA DO "MAIS!"

Sequência de nove histórias frouxamente interligadas, "Um Caminho no Mundo" é a obra de um estilista maduro, no auge de sua carreira. Naipaul é considerado um dos maiores escritores de língua inglesa contemporâneos.
Indiano nascido em Trinidad, em 1932, chegou ao Brasil no último dia 17, data de seu aniversário. Pagou sua própria passagem, e se recusou a aparições públicas até a última segunda-feira. Hoje às 20h no Teatro Cultura Inglesa (r. Deputado Lacerda Franco, 333 - Pinheiros) o escritor lê trechos de seu livro.
Comenta-se que planeja viajar pelo Brasil após o lançamento de seu livro. Naipaul afirma porém que voltará a Londres imediatamente. "Estou muito cansado. Teria curiosidade de conhecer o Brasil, mas sou um homem velho." Durante a sessão de fotos, fez questão de mencionar que sua barba é }temporária. }Meu médico não quer que eu corte minha pele. Leia abaixo os principais trechos de sua entrevista exclusiva à Folha.

Folha - O livro que o sr. lança agora na Bienal, "Um Caminho no Mundo", parece uma evolução direta da forma que empregou em "O Enigma da Chegada", um entrelaçamento de ficção, autobiografia e relato de viagens.
V. S. Naipaul - Eles são muito relacionados um ao outro. Isso só me ocorreu no final.
Folha - O sr. afirmou certa vez que "o romance tradicional nunca existiu, e que "o bom trabalho é sempre novo". Já afirmou também que por vezes foi prisioneiro da forma. Qualifica estes dois livros de "novos"?
Naipaul - Mas escrevi tanto em minha carreira, são 40 anos de trabalho. Muito poucas pessoas leram de fato meus livros. As pessoas blefam a respeito. Eu escrevi dois livros sobre a Índia. Isto é um fato importante. Estes dois livros não são novos por causa disso. Eu tentei escrever quem era o escritor daquelas palavras.
Folha - Em "O Enigma da Chegada" o sr. conta a história de sua formação como escritor, na Inglaterra, e examina a incongruência se achar naquela paisagem, um escritor de Trinidad, origem indiana no coração do campo inglês.
Naipaul - Sim... Estava escrevendo muito devagar, pensava mais rápido do que escrevia, então falei num gravador. Naquela ocasião, minha família veio me visitar. Minha mãe ouviu a fita e me disse: "como você disse estas coisas? como admitiu?" As pessoas não querem admitir estas coisas. Mas uma vez que você o fez, está feito. Exatamente, trata-se de uma icongruência, esta idéia está presente nos dois livros.
Folha - O sr. chama "Um Caminho no Mundo" de "sequência".
Naipaul - Odeio a palavra romance. No séc. 19 foi uma grande palavra. Os romances eram a forma em que coisas importantes foram ditas sobre a sociedade e o homem. Hoje acho que significa um best seller, alguém se mostrando.
Folha -Por que em seus relatos autobiográficos, o sr. exclui detalhes pessoais?
Naipaul - Seria chato.
Folha -O sr. acha que sua mente é menos chata que sua vida pessoal?
Claro. Senão estaria escrevendo sobre trivialidades, seria particular demais. Não quero saber de enredo, não me interessa descobrir "quem é o assassino". A narrativa me interessa. E jamais leio o que se escreve sobre mim.
Folha - O sr. pretende viajar pelo Brasil?
Naipaul - Não posso dizer nada sobre o Brasil. Acabo de chegar. Depois do lançamento, vou para casa. Tenho curiosidade sobre o Brasil. Mas sou um homem velho, não tenho já tanta energia.
Folha - O escritor inglês Will Self, que está no Brasil para lançar um livro na Bienal, afirmou que admira muito seu estilo, mas que o considera racista. É uma opinião partilhada por muitos críticos e escritores.
Naipaul - Provavelmente ele não conhece meu trabalho. Não sei. Não é uma coisa para eu responder. É para você decidir. Não é problema meu.
Folha - O sr. tem uma preocupação de refazer a história das colônias?
Naipaul - Não trabalho desta forma. Os impérios sobre os quais escrevo morreram há 50 anos. Não estou em guerra contra eles. Isto é para outras pessoas. Não estou reescrevendo a história de ninguém. Escrevi dois livros sobre a Índia. Um deles talvez seja meu trabalho mais importante.
Folha - É verdade que as vozes femininas o irritam?
Naipaul - Há vozes de mulheres demais no rádio. Parei de ouvir rádio. As mulheres estão tendo hoje de lidar com os clichês com que os homens sempre lidaram, fica caricatural.
Folha - O senhor disse estar aliviado por sua audição estar se deteriorando.
Naipaul - Exato. Não sofro mais. Não ouço o tráfego. O ruído já não me causa tanta dor.
Folha - Por que o senhor evita temas como o sexo, o amor e as mulheres em seus livros?
Naipaul - Não é verdade. Tenho dois grandes livros sobre isso. Não vou lhe dizer quais. Apenas não lido com este assunto sempre.
Folha - Em "Um Caminho no Mundo", e "O Enigma da Chegada", o principal tema parece ser a dificuldade específica de ser escritor num país colonial.
Naipaul - Não se pode falar assim deste assunto. Tenho uma carreira de 40 anos. Sou mais importante que muitos escritores. Você não pode falar disso comigo. Minha família é muito rica, muito bem de vida. Não posso fingir que sou um mendigo ignorante. A verdade é que não havia muitas pessoas fazendo o que fiz naquela época. Tornei as coisas mais fáceis para os outros.
Folha - Mas é um tema seu, é o material de seus livros.
Naipaul - Exato, já escrevi muito sobre este tema, escrevi sobre a Índia, gostaria muito que meu editor publicasse esse livro no Brasil, mas é um trabalho de mil páginas, as pessoas não estão interessadas.
Mas não interesso por estas questões. Conheço mais do mundo que a maioria das pessoas. Não estou em periferia nenhuma. Estou muito mais no centro que você.
Folha - O sr. planeja algum livro novo no momento?
Naipaul - Não. Tenho de ver. Estou cansado agora. Estou lendo textos latinos do final do Império Romano. Estou tentando entender a quebra daquele Império. As legiões estavam muito treinadas, muito disciplinadas. Por que os bárbaros vieram e destruíram tudo? Estou lendo as cartas de Plínio, e o livro de Cato sobre agricultura. É um livro assustador. Estou lendo entre as linhas.
Folha - O sr. ainda se interessa por jardinagem?
Naipaul - Meu jardim já cresceu, perdi o interesse por ele. São apenas árvores. Flores são difíceis de plantar.
Folha - Por que o sr. escolheu o quadro "O Enigma da Chegada" (De Chirico) como motivo para seu livro de mesmo nome?
Naipaul - Não gosto de De Chirico. O título é que é interessante. Foi dado por Apollinaire. Eu me interesso muito por pintura. Fui ao Masp, há lá um belo quadro de Velazquez, "O Conde de Olivares".
Folha - Seu pai foi jornalista e escritor, seu irmão também. Isto teve alguma influência sobre o sr.?
Naipaul - Não posso falar sobre isso. Já escrevi sobre este assunto, não tenho mais nada a dizer. O importante no momento é meu último livro. Você acha que já temos o suficiente (da entrevista)?
Não a desapontei? Não sou um bom propagandista de meus livros.

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