São Paulo, quarta-feira, de dezembro de
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A grande farra

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – O poeta potiguar Homero Homem gostava de contar a experiência socialista que desfrutara, em sua meninice, quando houve a Intentona Comunista de 1935.
Os focos principais da revolta foram no Rio, em Natal e Recife. Pois o menino-de-asas (que já era poeta naquela época) fartou-se de andar de bonde nas ruas de Natal: todos os transportes, durante três dias, foram de graça por conta do novo sistema.
Alguns comerciantes, acreditando que tudo era de todos e que o governo comunista reporia os estoques, também aderiram à farra e nada cobraram pela cerveja, pelos sanduíches, pelo feijão.
A população de Natal viveu o paraíso em sua plenitude, não havia ibope na época, mas a taxa de aceitação do movimento era de cem por cento.
Quando o telégrafo recomeçou a funcionar e chegaram as notícias de que a rebelião fora sufocada, a aceitação popular baixou para índices dramáticos.
Os próprios comunistas haviam tentado explicar que o negócio não era bem assim, que ninguém devia se precipitar, que o ideal socialista é áspero, duro de ser conquistado. Não acreditaram: tudo devia ser de todos, a propriedade privada é um roubo, para que pagar transporte, luz e gás se tudo o que é do governo é "bem público"?
Lembrei-me do poeta quando vi pela TV um cidadão afirmar que sua geladeira estava cheia –ele que nem tinha geladeira pois só agora, com a estabilização da moeda, pudera se habilitar a comprar uma, a prazo.
As 12 prestações estavam dentro de suas novas possibilidades. Eu não conheci o poeta Homero Homem em sua infância. Quando me tornei seu amigo ele já era –dizia o Rubem Braga– o careca mais cabeludo do país. Era exatamente isso: vasta calva embutida em vasta cabeleira ou vice-versa. Além disso, era mais ou menos um desencantado das fórmulas salvadoras, só acreditava na poesia, no seu menino-de-asas.
Daqui a 12 meses eu gostaria de saber como anda o cidadão que comprou a geladeira a prazo. Faço votos para que tudo dê certo, que ela continue cheia e continue dele.

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