São Paulo, domingo, 28 de agosto de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Poupança e perdança

JANIO DE FREITAS

Pelo segundo mês consecutivo, a poupança perde para a inflação. Com a mudança do seu cálculo introduzida pelo Plano Real, em julho houve poupadores que chegaram a ganhar alguma coisinha e outros cujo rendimento não alcançou nem a metade da inflação, tudo dependendo do dia em que sua caderneta se mensaliza (o que a cultura econômico-jornalística, sem saber da diferença vocabular entre mês e ano, chama de "aniversário" das cadernetas). O resultado médio foi ruim para o poupador.
Em agosto, o rendimento da poupança ficará aí pelos 3%. Se o IBGE confirmar amanhã o que comunicou à equipe econômica na quinta-feira sobre a inflação deste mês, com IPC-R previsto entre 5 e 6%, o rendimento da caderneta de poupança ficará na metade da inflação ou perto disso. Ou por outra, precisaria ser o dobro, ou perto disso, para simplesmente não sair perdendo.
Aqui entre nós, poupança é um dos assuntos muito delicados (uso aí uma palavra, ela própria, delicada) nos meios de comunicação, por vários motivos que não vêm ao caso. Mas a mim parece muito cruel que a população não seja informada, com precisão e presteza, sobre os fatos que envolvam sua poupança, sejam positivos ou negativos. É vastíssima a quantidade de pessoas que fazem sacrifícios para depositar alguma coisa na caderneta e para não fazer retirada que prejudique a rentabilidade.
A caderneta de poupança tem sido a única defesa dos milhões que podem espremer os gastos para guardar um pouco. É maldosamente tapeadora, porém, a historiada de que a caderneta protege contra a inflação. Ela defende o dinheirinho apenas em parte. Há um dado eloquente neste sentido, e inquestionável porque proveniente do próprio presidente do Banco Central, o sério Pedro Malan: levantados os rendimentos da poupança nos últimos cinco anos, até o começo deste, eles perderam 18% em relação à inflação. De cada 100 que depositou, ao fim de cinco anos o poupador tinha só 82.
O governo vem pressionando para que os poupadores não retirem dinheiro da caderneta. O ministro Rubens Ricupero já foi à TV com este propósito e volta a ela nesta semana. Pretende anunciar o que considera estímulos –a palavra é dele – para a manutenção ou aumento dos depósitos. A menos, porém, que ofereça proteção verdadeira para a poupança, a pregação é perversa: induz o pequeno poupador, que é o menos informado, a mais sacrifícios que conduzem a perder parte do que tanto lhe custou guardar. E pequeno poupador não é só o operário, não, é classe média também.
Entre o que dizem o governo e seus economistas e o que fizeram os poupadores, sacando da caderneta neste mês, não há como desconhecer que os caderneteiros, mesmo mal-informados sobre o que se passava com sua poupança, estiveram certos ao aproveitar a ocasião para comprar o que lhes era mais necessário. Os economistas aprenderam nos livros, os cidadãos aprendem com a vida. Guardaram as lições dos planos Cruzado, Bresser, Verão, Collor.

Texto Anterior: Aluguéis seguram queda da inflação para este mês
Próximo Texto: Fraudes na aposentadoria rural chegam a R$ 700 mi
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.