São Paulo, domingo, 28 de agosto de 1994
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Só reforma impede volta da inflação

JOÃO CARLOS DE OLIVEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

O Plano Real tem um horizonte limitado. O próximo presidente terá de fazer o que não se fez até agora: as reformas estruturais.
Alguns dos analistas ouvidos pela Folha enxergam as reformas como uma espécie de Plano Real 2; outros como uma continuidade. Apesar das divergências, as conclusões são parecidas: sem novas reformas, a inflação volta.
"É a parte difícil", diz Paulo Nogueira Batista Júnior, da FGV e que auxilia na formulação do programa do PT. Mas sem ela, avalia o ex-ministro Mailson da Nóbrega, a inflação volta aos três dígitos.
Para Nogueira Batista, chamar o Real de plano é "abuso de linguagem". Não identifica, porém, sinais de que a inflação possa superar, por exemplo, a casa de 5% ao mês até o final do ano.
E completa: "Foi atacada a superfície do processo, com uma desindexação bastante ampla e a estabilização de uma série de preços, mas não as raízes".
Há gente mais otimista, como o ex-ministro Luiz Carlos Bresser Pereira. Para ele, a inflação está baixa e vai permanecer baixa. O segredo do sucesso: o plano pretende ser neutro e não implica perdas adicionais para salários.
Mesmo quem admite terem ocorrido perdas, como o ex-ministro Ernane Galvêas, diz que elas são de "dois ou três por cento e não de cento e tantos como estão reivindicando".
Nogueira Batista lembra que os salários não estão congelados e que "muitas categorias conseguiram reajustes".
Mailson diz que os reajustes salariais têm de obedecer ao critério de ganho de produtividade e está otimista:"A inflação não tem fôlego para ir além dos 3% ao mês até dezembro".
Em suma: mesmo sem consenso sobre os salários, ninguém duvida do sucesso inicial do real.
Dois dos entrevistados, Batista Júnior e Eduardo Giannetti da Fonseca, professor da USP e colaborador desta Folha, avaliam que o plano obedeceu a um calendário e a uma intenção eleitorais.
Giannetti da Fonseca vai além. "Na América Latina, a estabilidade é um ativo eleitoral imbatível. Não há futuro sem ela e a população percebeu isto."
Tanto que, para ele, a população está disposta a enfrentar até recessão e perda de salários, como aconteceu na Bolívia, desde que não seja para mais um malogro.
Talvez, por isto, Giannetti pinte o cenário mais negro para 95. "Podemos voltar a crescer de forma sustentada em 1996. O ajuste é doloroso. Temos ainda muito sofrimento pela frente". Até porque, para ele, pouco se avançou na liberalização e no ajuste fiscal.
Mailson não traça um cenário pós-eleitoral recessivo. Segundo ele, só dois tipos eventos poderiam desencadear, no curto prazo, uma recessão: 1) uma disparada inflacionária; 2) alta absurda dos juros, que é definido como "um tiro no pé, inviável politicamente".
Bresser ironiza a possibilidade recessiva pós-eleitoral. "O juro está mesmo muito baixo, só 50% reais ao ano. Mas o que o governo ganharia com elevando os juros? Ao contrário, o que vai acontecer é a queda".
O ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore não está tão certo disto. Para ele, o BC já não precisaria pagar juros tão altos. "O plano não está correndo risco"pelo lado do consumo.
O que preocupa Pastore é o saldo da balança comercial (exportações menos importações). Ele diz que o país precisa manter a geração de superávits comerciais. "Se não tiver saldos, a dívida externa volta a explodir".
Pastore diz que no período de 1988 a 1994 as exportações cresceram 3% ao ano ano. "É uma performance horrorosa", declara. A culpa: o desastre fiscal produzido pós-Constituição de 88.
"É legítimo que o governo use o câmbio para baixar a inflação. Mas para que a política econômica tenha lógica, ele tem que baixar os impostos e preservar os saldos comerciais", afirma.
Há uma coincidência de opiniões entre Pastore e Nogueira Batista. "Esta política de grande valorização do câmbio fabrica desequilíbrios que podem, no futuro, redundar ou em uma crise cambial ou em uma recessão", diz o economista da FGV.
Mailson discorda. O ex-ministro acredita que o câmbio valorizado não é recessivo, porque melhora o poder de compra dos salários versus os bens importados. Diz ainda que se o governo promovesse uma subida rápida do câmbio, que equivaleria a uma mididesvalorização, o efeito seria inflacionário.
Mailson acredita que a cabeça dos exportadores mudou. "O que é novo é que eles reivindicam a redução dos impostos e não a correção imediata do câmbio. Este é um fato extremamente positivo."
Embora não vejam riscos iminentes de desastre, os economistas ouvidos pela Folha listam os seguintes pontos como problemas potenciais:
1) a reindexação dos impostos estaduais e municipais; 2) a reivindicação de mecanismos para indexação dos salários; 3) o desajuste dos bancos oficiais e estaduais; 4) o subsídio ao crédito agrícola; 5) as autorizações para o aumento do endividamento dos Estados.
Todos os pontos listados, de uma forma ou de outra, ligam os holofotes para o que Nogueira Batista chama de a raiz dos problemas: "A forma de financiamento do Estado e o regime monetário, a estrutura do BC".

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