São Paulo, domingo, 28 de agosto de 1994
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Delfim quer novo mandato contra o consenso e com críticas ao real

CLÓVIS ROSSI
DA REPORTAGEM LOCAL

Delfim quer novo mandato contrao consenso e com críticas ao real
Delfim, candidato do PPR, rejeita tese de frente ampla
Antônio Delfim Netto (PPR-SP) busca, no dia 3 de outubro, sua segunda reeleição para a Câmara Federal (elegeu-se em 86 e foi reeleito em 90), com um discurso oposicionista de quem não se deixa seduzir pela frente ampla que se vai criando em torno de Fernando Henrique Cardoso.
"O consenso não produziu nunca nada que preste", fulmina esse economista que já foi considerado o czar da economia brasileira durante boa parte do ciclo militar (64-85) e também pai do chamado "milagre econômico" brasileiro.
É natural, como economista, que a prioridade um de Delfim seja um tema de sua área específica: a reforma tributária.
Mas é na crítica ao Plano Real que o ex-ministro da Fazenda se torna mais agudo. Teme que, se não forem feitas as reformas estruturais indispensáveis, o próximo governo se desmanchará em seis meses. "Não terá a menor credibilidade nem legitimidade", dispara Delfim.
Os pontos principais de sua entrevista à Folha, concedida na sexta-feira à tarde, são os que se seguem:

Folha - Se o sr. fosse obrigado a apresentar, no primeiro dia de Câmara, um projeto e só um, qual seria?
Delfim - A reforma tributária. Uma reforma tributária clássica, reduzindo o número de impostos para quatro ou cinco, estendendo a base de tributação, talvez reduzindo algumas alíquotas, distribuindo melhor o peso da carga tributária.
Escolheria um sistema que não produzisse nenhum efeito distorsivo no sistema de preços, ao contrário do que está ocorrendo agora, até escandalosamente, com o Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social).
Eu faria um imposto ligeiramente progressivo, provavelmente com duas alíquotas, porque você não deve insistir nessa idéia de que tem que tributar o talento. Começaria uma reforma como essa com uma anistia.
Folha - Quais seriam as outras prioridades básicas de sua atuação parlamentar?
Delfim - A reforma do sistema de seguridade social. Esse é o maior problema que o país tem. Eu não tenho uma solução definitiva. Nós temos hoje um sistema que está fazendo água muito depressa. Certamente, você não pode mais cortar as despesas, porque já paga uma miséria para o aposentado.
Folha - O sr., muitas vezes, defendeu a tese de que a reforma política era até mais importante do que a questão econômica...
Delfim - Perdi a esperança de resolver esse problema no Congresso, a não ser que seja por meio de uma Assembléia Nacional Constituinte exclusiva.
É preciso abandonar esse presidencialismo imperial e caminhar para um parlamentarismo eficaz, no qual, se a maioria não consegue se formar num prazo razoável, você dissolve o Congresso.
Caminharia também para o voto distrital misto, para a fidelidade partidária, para uma restrição à participação no Congresso dos partidos que não obtivessem pelo menos 5% dos votos.
Folha - O sr. vai trabalhar na sustentação do plano?
Delfim - O real só funcionou porque tem objetivos extremamente modestos. Ele só objetiva eliminar a inflação inercial. Está apoiado em uma âncora, o congelamento do salário nominal com base no salário real do período novembro a março. A inflação de verdade, a inflação estrutural, está aí.
Está sendo também ajudado por essa situação cambial (o dólar cotado abaixo da paridade com o real), que torna, na prática, o Brasil o país mais aberto do mundo à competição (o dólar barato encarece as exportações brasileiras e facilita as importações).
Acumulam-se alguns problemas para o real. No setor imobiliário, surgiu uma defasagem entre ativos e passivos que pode ter consequências duras. O ativo está sendo corrigido anualmente pelo IPC-r (Índice de Preços ao Consumidor-Real) e, o passivo, mensalmente pela TR (Taxa Referencial). Vai se abrir um enorme buraco.
Na agricultura, também se estão criando problemas. Reduziu-se a receita da agricultura de exportação em 10% e se está propondo que a agricultura tome recursos a 11% mais TR, mas não tem garantia de preço mínimo ou equivalência-produto.
O equilíbro é tênue, frágil. Se você incluir nesse plano o desenvolvimento, ele quebra. Aumentar salário, ele quebra. Aumentar emprego, ele quebra. Que o plano é de um oportunismo eleitoral evidente, parece inegável. Mas isso não significa que é um mau plano. Para os objetivos dele, foi bom.
Mas o que me parece fundamental é que tudo isso coloca na mão do vencedor um problema gravíssimo: ou ele faz as reformas e consegue produzir a estabilidade e ou ele não consegue as reformas e você terá uma recidiva inflacionária no novo governo.
Folha - O PPR participará dessa frente amplíssima que se está formando em torno da candidatura Fernando Henrique?
Delfim - Eu sou contra esse tipo de política de consenso. O consenso não produziu nunca nada que preste. Vamos ser uma oposição que fiscalize o governo, que melhore eventualmente algumas das propostas do governo, mas chega de juntar todo mundo.
Folha - A imagem dos políticos parece haver chegado a seu ponto mais baixo. Qual é a causa e como corrigir o problema?
Delfim - A causa mais importante é que se conseguiu ou se pretende fazer uma separação clara entre uma sociedade que seria ética, altruísta, com valores maravilhosos, e uma classe política que tem todos os defeitos.
O eleitor constrói a Câmara e o Senado e, depois, não enxerga a sua cara lá. É uma coisa até de caráter psicanalítico.
Um sujeito ser preso puxando cocaína na sociedade, no máximo, vale uma admoestação, uma certa restrição. Mas, se um deputado for pego puxando cocaína, é um escândalo nacional.

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