São Paulo, domingo, 28 de agosto de 1994
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Lula, FHC e o futuro das câmaras setoriais

VICENTE PAULO DA SILVA; HEIGUIBERTO GUIBA DELLA BELLA NAVARRO

VICENTE PAULO DA SILVA
HEIGUIBERTO GUIBA DELLA BELLA NAVARRO
A disputa entre Lula eFHC revela concepçõesdivergentes em relaçãoàs câmaras setoriais
As câmaras setoriais não representam consenso dentro do governo. Há quem as considere como prioridade e há os que querem eliminá-las. Apesar destes últimos, é indiscutível que para a sociedade as câmaras setoriais se constituem hoje em um dos poucos instrumentos bem-sucedidos das políticas governamentais.
Mais que isso, trata-se de um instrumento verdadeiramente democrático onde, sem abdicar dos seus pontos de vista e interesses distintos, as classes sociais (trabalhadores, empresários e governo) discutem os problemas específicos do seu setor e buscam encontrar determinados acordos que viabilizem a reestruturação e o crescimento econômico, com geração de emprego e recuperação salarial.
Em relação ao seu sucesso, não há dúvidas. Tomemos o caso da Câmara Setorial Automotiva e da Câmara de Máquinas e Implementos Agrícolas.
Entre 1992 e 1994, após dois acordos na câmara setorial, a produção de veículos pulou de 960 mil veículos anuais para 1,5 milhão; a produtividade passou de 10,1 para 14,5 veículos por trabalhador e o emprego estabilizou-se após uma brutal retração verificada na década anterior.
No caso das máquinas e implementos agrícolas, a produção, que se encontrava no fundo do poço antes do acordo, cresceu 91%, passando de 21 mil máquinas agrícolas automotrizes em 1992 para 41 mil neste ano. O emprego subiu 9%, mas esse crescimento poderia ser ainda maior diante do aumento da produção. Além disso, registre-se o fato de que algumas empresas do setor de máquinas não vêm cumprindo o acordo.
Entretanto, a disputa presidencial entre Lula e Fernando Henrique revela concepções bastante divergentes em relação às câmaras setoriais. O Programa da Frente Brasil Popular deixa claro o apoio e a importância estratégica das câmaras na ação governamental. Elas continuarão como fórum de democratização das decisões econômicas, de controle dos preços e da reestruturação industrial negociada.
E não poderia ser diferente. Afinal, foram os sindicatos que, desde as primeiras reuniões da Câmara Setorial Automotiva, no final de 1991, forçaram a negociação de medidas que efetivamente pudessem alavancar o crescimento do setor.
Os metalúrgicos do ABC, que sempre conviveram com Lula e conhecem suas idéias, foram e continuam sendo um dos principais participantes desse processo.
Foi na volta de nossa viagem à matriz da Ford, nos Estados Unidos, na busca de evitar o fechamento da unidade de motores de São Bernardo, que propusemos ao então ministro Marcílio Marques Moreira o novo formato para as câmaras setoriais.
Já em relação à aliança PSDB/PFL, que apóia Fernando Henrique, as perspectivas para as câmaras setoriais são opostas. A equipe que vem atuando com ele, desde sua gestão no Ministério da Fazenda, concebe as câmaras setoriais como meros espaços de "conluios corporativistas", onde capital e trabalho se juntam na defesa de interesses cartoriais, tais como rebaixar impostos, empregos e salários.
Defendem, ainda, a política de ataque aos monopólios, simplesmente através da abertura às importações e da recessão, mesmo que isso signifique desemprego.
Tomemos o que nos diz um dos principais assessores de Fernando Henrique, Gustavo Franco. Por diversas vezes ele explicitou sua visão sobre as câmaras setoriais, como neste mesmo jornal, em artigo de 22/04/93: "O acordo automobilístico é basicamente uma operação de lavagem de um subsídio. A operação é simples: um setor pleiteia na sua câmara setorial uma redução de impostos em troca de metas que o governo é incapaz de monitorar (...) A renúncia fiscal assim obtida é dividida com os trabalhadores do setor (...) É o neocorporativismo em ação (...) Contudo, para que esse tipo de acordo exista é necessário eleger-se um perdedor, uma terceira entidade que pode ser o consumidor (que nem participa da negociação) ou a coletividade (se o governo assume os custos e tributa os pobres através da inflação). (...) Não se trata de política de rendas, ou de coordenação macroeconômica, mas de uma política de 'nossas rendas'. Imagine o leitor: temos 54 câmaras setoriais constituídas. Se cada uma custar US$ 1,4 bilhão aos cofres públicos, o 'controle social da inflação' custará US$ 76,6 bilhões. É isto que podemos esperar se o PT tiver a responsabilidade de fazer a política de estabilização?"
Não é à toa que as câmaras setoriais têm tanta dificuldade em caminhar a partir da gestão Fernando Henrique e seus assessores... Afinal, são muitos os equívocos da colocação anterior.
A começar pela visão torta de que na câmara setorial o governo não pode interferir, atuar, mas apenas ceder.
Vale lembrar que fontes do próprio Ministério da Fazenda divulgaram recentemente que houve aumento da receita tributária. A arrecadação total de impostos federais (IPI, Cofins e PIS/Pasep), após a segunda fase do acordo, cresceu 29,9%, conforme dados da Secretaria da Receita Federal.
Houve, igualmente, crescimento em nível estadual: a média mensal de ICMS recolhido em todo o país no primeiro semestre deste ano cresceu 32,7% em relação a igual período de 1993.
Também é falsa a preocupação com os consumidores, que aliás estiveram representados através de entidades como a associação dos consorciados.
Queremos perguntar aos consumidores se o acordo foi ou não positivo, se eles desejam, como nós, ou não que o preço dos carros caia mais.
Queremos saber também da própria equipe de Fernando Henrique o que ela de fato pensa sobre os resultados do acordo em termos de incremento da produção, tão bem "vendidos" comercialmente pelo próprio governo.
Em suma, resta saber que rumos vamos adotar em termos de política industrial. A opção de FHC, PFL, PTB etc. é a via do neoliberalismo e representa na prática uma continuidade da política implementada pelo governo Collor.
Vale a pena lembrar, só para dar mais um exemplo da concepção que norteia a equipe de Fernando Henrique, que a política de liberalização a todo custo do governo Collor teve no economista Winston Fritsch –que hoje também faz parte da "seleta" equipe de Fernando Henrique– um dos seus principais formuladores.
Não somos contra as importações de veículos e a favor de uma reserva eterna de mercado para os produtores internamente instalados. Mas também não somos ingênuos em adotar uma política liberalizante que poderá conduzir ao aniquilamento da indústria brasileira.
Por isso, desde o início das discussões da câmara setorial, defendemos a proposta de abertura gradativa das importações, com fixação de quotas vinculadas ao crescimento da produção local.
Mas não foi isso o que vingou na política governamental até agora. E, como resultado da recessão e da abertura indiscriminada às importações, implementadas pela equipe que agora acompanha Fernando Henrique, verificamos, desde 1990 até hoje, somente na base dos metalúrgicos do ABC, uma quebradeira de dezenas de empresas e a perda de quase um terço da categoria, ou 57.000 postos de trabalho desativados.
A opção Lula nos leva ao encontro de uma política industrial que não é "ajeitada" nos gabinetes de certos "iluminados", mas que é arduamente construída e que envolve negociação, acordo, democracia. Uma alternativa que tem como objetivo o crescimento da produção nacional e a expansão do mercado interno. E que já mostrou seus resultados.
Sabemos que a proposta de política industrial da Frente Brasil Popular inclui a continuidade e o aprimoramento das câmaras setoriais, como fórum tripartite de discussão visando crescimento econômico, melhores condições de vida para os trabalhadores e benefícios para a sociedade. E quanto a FHC?

VICENTE PAULO DA SILVA, 38, é presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Foi presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC (1987-94).
HEIGUIBERTO GUIBA DELLA BELLA NAVARRO, 48, é presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e da Confederação Nacional dos Metalúrgicos da CUT.

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