São Paulo, domingo, 28 de agosto de 1994
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Editor da Siciliano pede justiça social

PEDRO PAULO SENA MADUREIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Pensando no tema que me foi proposto, a única imagem que foi a do padre Anchieta. O primeiro gesto que se comete neste país, o gesto físico de escrever alguma coisa real ou lendariamente foi cometido pelo padre José de Anchieta. Onde? Numa praia sobre uma areia, que foi devidamente lavada e apagada pelas ondas do mar.
Então, a atividade criadora brasileira, do ponto de vista da linguagem literária, da palavra escrita, começa dessa maneira. Essa figura ficou na minha cabeça, que até agora não saiu. É fundadora do gesto de escrever no Brasil. O gesto de escrever é evanescente, o gesto de escrever é vulnerável. Qualquer ondinha, qualquer praiazinha apaga esse gesto.
A minha atividade é literalmente marcada pela necessidade de colocar o livro o menos errado possível no melhor lugar possível de um balcão de livraria, para que um eventual leitor passe e o compre.
Mas o país tem dentro de si uma Argentina que não tem dinheiro para comprar um pão cotidiano. As reportagens que esta casa publica, assinadas por Gilberto Dimenstein, revelam qual é a situação da infância da criança neste país. A mortalidade infantil clama aos céus.
Portanto, em busca do meu pão de cada dia, só me cabe a modéstia, a humildade de, após 30 anos de militância profissional, de carteira assinada junto ao meus patrões, só me cabe dizer que eu não sei onde está esse leitor, que, cada vez mais, essas estratégias para mim se tornam evanescentes e que não cabe ao escritor brasileiro, não cabe também ao editor brasileiro, neste momento, encaminhar essas estratégicas.
Cabe ao cidadão brasileiro exigir dos seus governos que os seus impostos sejam mais bem aplicados em educação, em alimentação, em saúde e habitação. Enquanto não houver uma quantidade mínima de proteína ingerida pelas crianças brasileiras, para que elas se transformem em possíveis leitores, toda e qualquer estratégia estará condenada.

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