São Paulo, domingo, 28 de agosto de 1994
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Computador imita cérebro

HELIO GUROVITZ
DA REPORTAGEM LOCAL

Já existem máquinas que reconhecem um rosto humano a partir de imagens e dizem se ele pertence a um homem ou a uma mulher.
"Nosso sistema faz isso tão bem quanto as pessoas", diz à Folha o pesquisador Thomas Poggio, do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), nos EUA.
Poggio é co-diretor de um laboratório que tem o sugestivo nome de Centro de Aprendizado Biológico e Computacional.
O objetivo do lugar, ele não esconde, é poder um dia montar um cérebro artificial.
Mesmo longe dessa meta, a simples existência do centro comprova que dois ramos da ciência estão convergindo para entender o cérebro: matemática e biologia.
Poggio é um dos representantes da atual convergência multidisciplinar. Ele escreve artigos em publicações tão diversas quanto "Current Biology" (Biologia Atual) e "Neural Computation" (Computação Neural).
Um dos maiores exemplos dessa convergência é o sistema que aprende a reconhecer imagens tridimensionais e a dizer se um rosto é masculino ou feminino.
Para desenvolvê-lo, contribuíram tanto pesquisas experimentais quanto modelos teóricos sobre o funcionamento do cérebro.
O sistema do computador não reconhece as imagens de modo exatamente igual ao cérebro, afirma Poggio. "Mas pode ser uma das estratégias utilizadas".
Para entender essa estratégia, Poggio estudou com Nicos Logothetis, da Faculdade de Medicina Baylor, a reação do cérebro de macacos e humanos a imagens em três dimensões.
Os pesquisadores sustentam que o cérebro reconhece essas imagens em duas fases.
Na primeira, grupos específicos de células cerebrais (neurônios) são sintonizados quando a imagem é vista de um determinado ângulo. É um reconhecimento de "instantâneos" em duas dimensões.
"Cada neurônio ou grupo de neurônios responde de modo ótimo a uma certa imagem em uma certa perspectiva do objeto", diz Poggio.
Na fase seguinte, mais elaborada, esses grupos fornecem as informações obtidas a outros neurônios, que processam o efeito de visão em três dimensões.
"Ao longo dos últimos três anos, temos recolhido uma quantidade considerável de indícios para esse modelo de centros de visão", conta o pesquisador.
Dados recentes dos estudos de Poggio e Logothetis com cérebro de macacos devem ser publicados na revista "Science".
Segundo Poggio, esses dados mostram diretamente que os neurônios são ativados por "instantâneos" de um novo objeto com que o macaco é treinado, como previsto no modelo teórico.
A descrição do modelo em termos matemáticos é feita através de estruturas conhecidas como redes neurais. Essas redes são, de um modo geral, representações gráficas de equações ou métodos computacionais.
"Uma série de coisas que as pessoas chamam de redes neurais não tem nada de biológico, são apenas expressões matemáticas", diz Poggio. "Mas esse tipo de rede também tem uma interpretação sedutora em termos de neurônios".
Em particular, essas redes podem ser a forma de descrever como certos grupos de neurônios são ativados por "instantâneos" de objetos em três dimensões. E também de ensinar máquinas como computadores a identificarem esses objetos.
"Se você tem uma dessas redes e quer treiná-la para reconhecer um objeto, você faz isso mostrando algumas visões do objeto", diz o cientista.
Na rede se cria um conjunto de unidades, cada uma sintonizada a uma das visões. Com alguns cálculos, essas unidades podem ser combinadas para identificar o objeto, independentemente do ângulo de onde é visto.
"Essas unidades se tornam intrigantemente semelhantes ao modo como são geralmente descritos os neurônios do córtex temporal" (região do cérebro geralmente associada à visão), conclui Poggio.
Para o cientista, que começou há seis anos a trabalhar teoricamente com redes neurais, o avanço mais importante foi a idéia de fazer a máquina aprender a partir de exemplos.
"A inteligência artificial no passado negligenciou o problema do aprendizado. As pessoas tentavam programar inteligência", diz. "Acredito que a parte importante da inteligência é o aprendizado a partir do ambiente e de exemplos".
Tentar fazer a máquina aprender é a técnica usada no MIT para imitar outras atividades cerebrais, além da visão. "Trabalhamos em diferentes domínios: visão, coordenação motora, linguagem".
O pesquisador afirma que esse trabalho pode levar à uma melhor compreensão de como o cérebro funciona e, um dia, a uma máquina que funcione como ele.
"Tenho certeza de que ainda vai levar muito tempo para termos uma máquina com as capacidades do nosso cérebro, mas enquanto isso podemos certamente começar a reproduzir algumas delas".
Para isso, ele não considera que sejam necessários grandes avanços tecnológicos. "Nossos programas rodam em computadores comuns".
Nem todos, porém, concordam com ele. Para o matemático britânico Roger Penrose, da Universidade de Oxford, é impossível com a tecnologia atual criar uma máquina equivalente ao cérebro.
Em entrevista à Folha no ano passado, Penrose criticou a abordagem da inteligência artificial, por ignorar o fenômeno da consciência. Para ele, a capacidade de estar ciente do que acontece seria a essência do cérebro.
"Ainda não sabemos o que é consciência de um ponto de vista computacional", admite Poggio. Mas ele compara a descrença de Penrose à que havia no início do século sobre a possibilidade de uma máquina voadora.
"Os argumentos de Penrose são bons, mas sua solução parece mais ficção científica, diz o cientista. Poggio localiza o problema da discussão na definição precisa do que seja inteligência.
"Alguns filósofos definem que ter carne é uma característica necessária para a inteligência", brinca, defendendo uma definição matemática mais precisa.

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