São Paulo, domingo, 28 de agosto de 1994
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Consumismo. Julgue você

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

Há alguns meses, escrevi sobre o nefasto hábito de se desperdiçar água. As pessoas mais velhas concordaram com a crítica, demonstrando dar o devido valor ao precioso líquido. As mais jovens silenciaram, revelando ignorar que a água é um bem cada vez mais escasso.
O problema do desperdício da água se agrava ainda mais quando combinado com o desperdício de energia elétrica. Uma família de quatro pessoas que usa um chuveiro elétrico durante uma hora por dia gasta R$ 16,00 por mês para tomar banho. Ao usar um ferro elétrico, na mesma base, ela gasta mais R$ 4,00. Só nesses dois itens são R$ 20,00 mensais. É uma soma apreciável.
Não vou advogar aqui o costume ridículo do Velho Continente onde, até hoje, se toma banho com paninho molhado. Mas não vejo razão, tampouco, para os nossos Pavarottis, quem têm uma renda per capita de apenas 10% da Europa, insistirem em desenvolver os seus dotes musicais debaixo de um jato de água quente.
O ministro Rubens Ricupero em tão boa hora decidiu engajar-se pessoalmente numa valiosa campanha contra o consumismo e em favor da parcimônia de compras. Isso vale também para a água e a energia elétrica. Assim como vale para o telefone, telex, fax etc.
Por falar em fax, não me conformo com o caráter invasivo dessa útil tecnologia. Suas mensagens não esperam ser convidadas para chegar à sua mesa. Elas vão entrando. Pior ainda é o sentido de urgência que os seus missivistas tentam imprimir a tudo o que mandam, sem a menor cerimônia. Está por ser descoberta a maneira adequada para se respeitar os direitos do destinatário.
Voltando ao desperdício, penso que o Plano Real terá prestado um grande serviço a esta nação se conseguir implantar de modo definitivo o hábito da austeridade. Antigamente isso só chegava aos povos depois de grandes derrotas. No caso da Segunda Guerra Mundial, os alemães, italianos e japoneses (derrotados) tiveram de aprender "na marra" a arte de economizar enquanto que os americanos (vitoriosos) continuaram por muito tempo com seus excessos.
Até o momento, o ministro da Fazenda vem tendo sucesso e o povo tem se comportado bem em matéria de consumo. Mas é essencial que isso continue para o plano se consolidar. Neste início, demos apenas o primeiro passo.
Os brasileiros parecem ter saído de três guerras –a inflação, a corrupção e a sonegação– que além de destruírem bens materiais, destroem também os valores morais que, como todos sabem, são muito mais difíceis de serem reconstruídos.
Ao estabilizar a moeda e restaurar a moralidade, o Brasil está dando, neste final de século, um importante passo em direção a um desenvolvimento amadurecido. Oxalá tudo isso persista depois da eleição. Essa virada é fundamental para reacender, entre nós, a necessária crença no trabalho como a única forma de se construir uma nação e libertar um povo. Todo o resto é conversa. Conversa de quem torce pela inflação, pratica a corrupção e defende a sonegação como formas rotineiras de sobrevivência e progresso pessoal.

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