São Paulo, domingo, 28 de agosto de 1994
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O Brasil, o real e os acordos do Gatt

RUBENS RICUPERO

O Congresso Nacional inicia, amanhã, um esforço concentrado para a aprovação de diversos itens que se encontram na sua agenda. Entre esses itens figuram os acordos que concluíram a Rodada Uruguai do Gatt (Acordo Geral de Tarifas e Comércio). Está nas mãos do Congresso decidir com serenidade, mas com sentido de urgência, sobre um assunto de importância singular, pelo impacto direto e positivo que tem sobre a atividade econômica.
É uma coincidência feliz que a profunda transformação da economia brasileira representada pelo real possa ser secundada, no plano externo, por uma das mais abrangentes reformas do sistema econômico internacional jamais realizadas.
A Rodada Uruguai do Gatt foi uma reforma que, ao contrário de outras, em que os países em desenvolvimento ficaram de fora ou foram espectadores passivos ou impotentes das decisões das grandes potências, consagrou um complexo sistema de barganhas, em que o multilateralismo comercial se fortaleceu e os países em desenvolvimento se beneficiaram diretamente de uma sensível redução do protecionismo comercial e da universalização e transparência de regras que regem os processos de imposição de direitos compensatórios e "antidumping", reduzindo a possibilidade do uso arbitrário desses dispositivos contra países exportadores como o Brasil.
Produto do mecanismo de consenso que opera no Gatt, os Acordos da Rodada Uruguai incorporam em níveis sem precedentes conquistas dos países em desenvolvimento e particularmente do Brasil, que se empenhou ativamente pelo êxito da Rodada, participando de todos os grupos negociadores com a autoridade que inquestionavelmente lhe é reconhecida no organismo.
Como país em acelerado desenvolvimento e com um perfil de "mercador global", com um comércio internacional equilibrado e bem dividido entre os grandes pólos econômicos do mundo e a economia em processo de estabilização, o Brasil só tem a ganhar com os acordos da Rodada Uruguai.
E não ganha apenas no campo mais abstrato ou longínquo do fortalecimento do multilateralismo; ganha concretamente, com a redução de barreiras comerciais tarifárias e não-tarifárias e de subsídios agrícolas que prejudicavam nosso acesso aos mercados e tinham um impacto adverso sobre as nossas exportações e, portanto, sobre o nosso nível de emprego.
Emprego. Essa é, para mim, a chave do nosso interesse nos Acordos do Gatt e na criação e pronto funcionamento da Organização Mundial de Comércio (OMC). A melhoria da nossa posição comercial internacional graças aos avanços da Rodada Uruguai terá um impacto direto na conservação e geração de empregos no setor exportador e, pelo efeito multiplicador que esse setor sempre teve na economia brasileira, no restante da nossa atividade econômica.
Com a estabilidade, a volta da credibilidade econômica internacional do Brasil e o acesso renovado do Brasil a investimentos produtivos, os acordos da Rodada Uruguai encontram o Brasil preparado para uma nova era de competição econômica internacional.
A rebaixa generalizada de tarifas, o controle e a progressiva supressão de barreiras não-tarifárias e subsídios, a imposição consensual de regras universais e transparentes para regular áreas em que o Brasil tem interesse direto e competitividade –como serviços–, a incorporação gradual da agricultura dos têxteis a um sistema não-discriminatório aumentam em muito o potencial do nosso comércio exterior.
Mesmo em áreas em que perdemos terreno em razão da competição ferrenha que nos movem os países asiáticos, como têxteis e calçados, voltamos a ter a possibilidade de, a médio prazo, reequipando-nos e investindo, recuperar boa parte do terreno perdido e ganhar novos mercados.
O Brasil tem, portanto, todo interesse em sinalizar à comunidade internacional e ao setor exportador brasileiro que pretende ratificar prontamente os acordos da Rodada Uruguai. Estaremos adicionando elementos de credibilidade e incentivo à grande conquista que já estamos tendo com a estabilidade econômica.
A estabilidade não é um fim em si mesmo, mas um instrumento que deveremos utilizar na retomada sustentada do desenvolvimento, na redistribuição de renda –que tem na criação de empregos a sua melhor e mais efetiva ferramenta– e na melhoria da nossa inserção internacional, em um mundo em que temos muitos competidores poderosos e competentes, inclusive entre nossos parceiros em desenvolvimento.
Não é exagero afirmar, portanto, que a aprovação dos Acordos da Rodada Uruguai é um item da maior importância na pauta do Congresso, e um item que tem uma função de instrumento de transformação qualitativa da sociedade brasileira.
Como ministro da Fazenda, sou um espectador atento e interessado do trabalho do Poder Legislativo. A aprovação desses acordos, de tanto impacto para a economia brasileira, reafirmará o papel decisivo do Congresso neste momento de transformação do Brasil, que já fez mudar para positivo o sinal com que o Brasil figura na agenda internacional.
Afinal, vivemos desde 1º de julho uma realidade de êxito que se traduz não apenas na queda acentuada e sustentada da inflação, na volta da confiança e no resgate do pleno potencial da nossa economia, mas também na gigantesca mobilização de apoio e participação popular que a estabilidade gerou.

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