São Paulo, segunda-feira, 29 de agosto de 1994
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O Estado e as empreiteiras

A crise envolvendo as dívidas acumuladas pelo governo do Estado de São Paulo durante as administrações de Orestes Quércia e de Luiz Antonio Fleury Filho é sintomática das práticas viciadas de financiamento de obras públicas, não só em São Paulo, mas em praticamente todo o país; não só por parte dos governantes, mas também das empreiteiras.
O excepcional montante de US$ 2,3 bilhões devido por diferentes departamentos e empresas do Estado a essas firmas mostra que esses gastos foram realizados sem qualquer programação realista quanto à disponibilidade de receitas.
Além da condenável prática de passar o governo ao sucessor com as finanças altamente comprometidas, a crise denuncia ainda a precariedade –generosamente recompensada, cedo ou tarde, à custa, como sempre, dos cofres públicos– do sistema de contratação das empresas que prestam serviços a órgãos ou empresas estatais.
A incerteza quanto às receitas futuras e as frequentes perdas imputadas pela desvalorização do dinheiro são usadas como uma pretensa justificativa para os preços estratosféricos cobrados ao setor público. A possibilidade de sucessivos adiamentos e, não raro, o pagamento de vultosas propinas para liberar as quantias devidas –além daquelas que já haviam sido pagas quando da obtenção do contrato– são fatores que estimulam, para dizer o mínimo, o superfaturamento das obras e serviços.
Para que a moralização desse sistema possa avançar, é necessário que as licitações sejam transparentes, fato para o qual o sistema de "performance bonds" adotado nos Estados Unidos em muito contribuiria, e que os desembolsos do setor público sejam realizados em dia.
A imperiosa necessidade de manter sob controle as contas do setor público exige daqueles que se propõem a ocupar cargos de governo que mantenham uma programação financeira rigorosa e aberta à fiscalização dos cidadãos.
As tentativas de contornar crises atrasando pagamentos ou simplesmente transferindo dívidas ao governo seguinte denunciam apenas a manutenção de práticas que já há muito deveriam ter sido extirpadas da vida pública brasileira.

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