São Paulo, terça-feira, 30 de agosto de 1994
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Só o eleitor acaba com o uso da máquina

LUÍS FRANCISCO CARVALHO Fº
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

É preciso distinguir o uso criminoso do uso comum da máquina pública no processo eleitoral. Qualquer governo, em qualquer lugar, qualquer que seja sua orientação ideológica, faz do cronograma político a pauta das atividades administrativas. Isso é compreensível e chega a fazer parte das regras do jogo.
Por isso, por exemplo, seria ingênuo esperar providências da Justiça Eleitoral porque FHC teria se aproveitado do Real para fortalecer sua candidatura. A obra de um governo é capital eleitoral legítimo. A garantia do eleitor contra o uso da máquina pública pelos governos está na reação crítica dos outros partidos, que pode ser amena ou radical, sincera ou populista, ininteligível ou eficiente.
A inauguração de um conjunto habitacional não é caso de polícia, é caso de política. Cabe ao eleitor identificar o que o ato tem de autenticidade e o que tem de oportunismo ou enganação. Nesse aspecto, há um curioso adesivo plástico do PT: em vez de chamar a polícia pela janela do automóvel, a propaganda lembra a "reincidência" do eleitor no erro (votar mal), com a seguinte frase: "Você é mesmo inacreditável".
Não é lógico exigir dos governos imobilismo e neutralidade puritana. Em qualquer país civilizado, o governante pode até se reeleger, pelo menos uma vez. Aqui, não. Pelo temor do uso da máquina... É como se os governos fossem ruins só por serem governos, como se as eleições só existissem para crucificar governantes, como se os eleitores fossem incapazes de observar e escolher livremente.
No Brasil, espera-se uma estranha equidistância do chefe do Executivo. Como se fosse um "magistrado", como se a sua interferência na disputa fosse imoral. Bobagem. Isso não faz sentido político. É papel da situação convencer o leitor que o governo é bom; é papel da oposição convencer o eleitor da necessidade de mudança. A Justiça Eleitoral não tem como entrar nessa polêmica.
O que justifica a repressão é o uso ilegal da máquina pública. E não falta trabalho. Carros, funcionários, equipamentos, prédios públicos, concessões, tudo é usado, aqui e ali, escondido ou não, como capital eleitoral. A menos de R$ 10,00 (de táxi) do centro de São Paulo, a maior cidade do país, candidaturas governistas tentaram vincular a distribuição do "tíquete do leite" ao engajamento do cidadão na campanha. Isso sim é caso de polícia. É muito nítida, pelo Brasil afora, a presença do "assistencialismo", da corrupção e do desperdício na luta eleitoral.
O cinismo dos recados recentes dos ministros Alexis Stepanenko e Aluizio Alves, dando conta do uso da máquina administrativa pelo governo Itamar, pode ser recebido com indignação. Mas, se os atos dos ministros não se revelarem concretamente contaminados pela prática de algum delito comum ou de responsabilidade, o episódio se encerra no plano eleitoral. É como o coronelismo. Não há como punir a relação de vassalagem exibida pela foto de um trabalhador beijando a mão de Arraes.
As obras eleitoreiras podem ser regulares ou irregulares do ponto de vista jurídico. O governante pode agir de forma mais ou menos sutil. Quem não sabe fazer a coisa certa, oferece munição política para os adversários... Está nas mãos dos eleitores, não dos juízes, acabar com esse tipo de coisa.
A coluna NINGUÉM É CIDADÃO é publicada às terças-feiras

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