São Paulo, quarta-feira, 31 de agosto de 1994
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A banalização eleitoreira dos evangélicos

JAIME WRIGHT

A fotografia em cores estampada na primeira página do "Jornal do Brasil" da última quinta-feira (25/08) é de fazer enrubescer de vergonha qualquer cristão, tanto protestante quanto católico.
Ali, ajoelhado num templo evangélico, estava um candidato a governador do Estado do Rio de Janeiro, curvado perante o pastor Isaías de Souza, presidente de várias entidades que receberam milhões de dólares de verbas do Orçamento da República por intermédio do anão Fábio Raunheitti, e, ao lado, o pastor Washington de Souza, incluído na lista das propinas do jogo do bicho.
Qual o raciocínio maquiavélico que fez o candidato acreditar que tal postura constrangedora lhe acrescentaria votos em 3 de outubro? A sacralização do profano em templo religioso? A mágica das mãos levantadas proferindo bênçãos preferenciais sobre o candidato?
O notório caciquismo eclesiástico de que estão imbuídos esses líderes pentecostais? A crença de que os fiéis dessas igrejas estão irremediavelmente encabrestados pelos seus pastores? A ingênua crendice de que esses homens engravatados são canais exclusivos com o Todo-Poderoso e que somente por intermédio deles as bênçãos do Altíssimo poderão se transferir para as pessoas, inclusive um candidato a governador?
A heresia em acreditar que um mero ato piedoso, em cores, vai sensibilizar algum eleitor crente, quer evangélico ou católico? A impossibilidade da realização de teatro semelhante perante 150 bispos católicos em vez de 150 pastores evangélicos?
Seria por demais constrangedora para a comunidade evangélica a resposta sincera e transparente a essas indagações.
Já se foi a época em que "ser crente" (evangélico) era garantia automática de honradez e respeitabilidade.
Durante a recente ditadura (1964-1985), um presidente-general "crente" transformou em prática rotineira o fenômeno do desaparecimento forçado de opositores políticos.
Cerca de 20 cidadãos, presos pelos órgãos de segurança na época da posse do general Ernesto Geisel, nunca mais foram localizados, apesar das provas de suas detenções.
Foi Geisel quem motivou a constrangedora constatação de que, assim como existem católicos não-praticantes, existem também evangélicos não-praticantes.
Mais recentemente, no "Brasil Novo" de Sarney, pastores eleitos deputados federais deram o seu aval, no Congresso Nacional, à Lei de Gérson, a ética imoral de se levar vantagem em tudo. Deputados fisiologistas envergonharam a nação votando a favor dos cinco anos de mandato de Sarney em troca de concessões de rádio e de televisão.
Dias atrás, no Espírito Santo, uma coligação partidária foi na conversa de caciques eclesiásticos evangélicos e acabou escolhendo para candidato a vice-governador um pastor que se arvorara em representante dos evangélicos do Estado do Espírito Santo.
Tal pretensão causou tanta indignação que levou representantes de três tradicionais denominações (Luterana, Metodista e Presbiteriana Unida) a publicarem, na primeira página de "A Gazeta" (31/07) uma declaração sobre o assunto, onde se afirmava a rejeição da idéia "de que um evangélico se sinta obrigado a votar em um candidato pelo simples fato de ele se apresentar como evangélico".
E, mais adiante, concluía: "A Igreja deve encorajar seus membros a avaliarem as propostas dos candidatos, evangélicos ou não, e os programas partidários, para então tomarem sua decisão".
Não conhecemos todas as razões que levaram o candidato a governador do Espírito Santo a desistir da sua candidatura. Desconfiamos, no entanto, de que a constatação de que seu vice não traria para si a enxurrada de votos de evangélicos levou-o à prudente decisão de desistir da candidatura no dia seguinte à publicação da declaração conjunta.
E alguém acredita que o eleitor evangélico vai votar em determinado candidato a presidente pelo simples fato de sua vice ser evangélica?
Convenhamos, é muita banalização eleitoreira dos evangélicos, presos que estão a uma ética aparentemente contextual. É, também, muita burrice dos partidos que sucumbem a essa prática menos ética e mais atrelada à Lei de Gérson.
Melhor, muito melhor do que votar num candidato evangélico, ou católico até, é votar numa pessoa cuja vida e prática revelam um compromisso seguro e corajoso com a verdade, a justiça e a vida.

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